O fim de semana de 10 e 11 de Setembro registou o recrudescimento da violência na Irlanda do Norte. Na sequência da proibição pelas autoridades da passagem de um desfile unionista através de um bairro católico, a força de segurança encarregue de acompanhar a marcha começou a ser alvejada por membros dos grupos paramilitares unionistas com recurso a armas automáticas, granadas e coktails molotov. Com o aumento do número de efectivos policiais e militares os confrontos alastraram no Domingo (dia 11) a vários condados em redor de Belfast, recordando episódios anteriores.
Não sendo a primeira vez que as acções implementadas pela Ordem de Orange (organização político-religiosa que congrega os protestantes defensores da união entre a Irlanda e a Grã-Bretanha) originaram situações de conflito aberto, esta parece apresentar alguns cambiantes dignos de registo. Ter-se-á tratado de uma das raras vezes em que, por iniciativa do governo (através da Comissão de Paradas, órgão criado ao abrigo dos acordos de paz de 1998), a marcha unionista foi impedida de atravessar bairros católicos (uma prática que os grupos republicanos católicos, defensores de uma Irlanda unida, sempre apelidaram de provocatória) e em que esta proibição foi ostensivamente afrontada pelas milícias unionistas, naquilo que alguns analistas interpretam como um claro sinal de receio de perca de influência.
Quando no início de Agosto escrevi, a propósito da intenção de cessar fogo manifestada pelo IRA, que face ao clima de incerteza poderiam ocorrer reacendimentos do conflito, ponderava, sobretudo, a irredutibilidade do reverendo Ian Paisley (líder do Partido Democrático Unionista) sobre o reconhecimento do Sinn Fein (partido católico, próximo do IRA, que defende a integração da Irlanda do Norte na República da Irlanda) e as possibilidades de entendimento (leia-se governabilidade) de uma situação em que uma das partes (protestantes unionistas) protela iniciativas de diálogo e entendimento com a outra parte (católicos republicanos) beneficiando do beneplácito do governo britânico. Porém, na sequência dos recentes acontecimentos começam a surgir, pela voz de Peter Hain (ministro britânico para a Irlanda) que afirmou haver a «necessidade de liderança de todas as partes, em especial da Ordem de Orange, dos grupos lealistas e dos partidos unionistas, que permitam avançar no processo» algumas ténues críticas ao reverendo Ian Paisley.
Paralelamente a imprensa local não se coíbe de fazer referências ao agravamento da situação atribuindo a respectiva responsabilidade aos grupos paramilitares unionistas. O Independent e o Guardian relatam a escalada de violência ao longo do corrente verão, o Irish Times e o Irish News (quotidiano católico moderado de Belfast) fazem referência a um manifesto (“Love Ulster”) em torno do qual se terá unido um grupo de políticos unionistas e de paramilitares lealistas, com o bjectivo de mobilizar os protestantes da Irlanda do Norte contra o projecto de unidade irlandesa.
Esta iniciativa e os recentes acontecimentos parecem ilustrar uma profunda crise de confiança entre os unionistas que, após o anúncio do cessar fogo pelo IRA encontram grandes dificuldades em gerir um novo cenário na Irlanda. Incapazes de responder ao desafio da facção republicana (que retirou o problema da esfera militar para a política) os grupos unionistas parecem apostados no lançamento de uma campanha para incentivar o medo dos sectores protestantes e inviabilizar qualquer alteração da actual situação.
Em resumo, a hipótese de normalização do problema irlandês pela via do diálogo, fortemente reforçada com o cessar fogo anunciado pelo IRA, regista um significativo retrocesso permitindo mesmo, dada a tradicional proximidade entre os grupos unionistas e o governo britânico, recolocar a questão filosófica da origem do “terror”.
Sem comentários:
Enviar um comentário