domingo, 4 de setembro de 2005

CONVERSAS DA TRETA, OU TALVEZ NÃO…

Raro espectador de televisão assisti hoje a um momento que julgo digno de registo. Na RTP2 passou uma entrevista de Ana Sousa Dias a José Pedro Gomes (pelo desenrolar da conversa tratava-se, seguramente, de um repetição) que julgo merecedora de menção e reflexão.

Para além dos assuntos naturalmente ligados à actividade do entrevistado, quem ignora que o José Pedro é actor, e onde , obviamente, veio à conversa as célebres “Conversas da Treta” onde este contracenava com o António Feio, parece-me digno de registo muito do que foi falado a propósito do teatro e da cultura neste país, destacando-se o problema da reduzida afluência de público e o do seu comportamento durante os espectáculos.

Primeiro, quem ignora a situação de afastamento do público relativamente ao teatro e a necessidade de (in)formar o público que ainda a ele assiste. Como muito bem foi referido há a evidente necessidade de ensinar as pessoas a permanecerem dentro de uma sala de espectáculos. É triste dizer-se isto, mas na realidade a generalidade do público perdeu as mais elementares noções da natureza comportamental; ele são os telemóveis que tocam (e que agora até, cúmulo do despudor, se atendem), as pessoas que “aproveitam” a oportunidade para “por a conversa em dia”, as “tosses” que insistem em atacar os espectadores…

Segundo, quem ignora a questão do preço dos espectáculos que ou são demasiadamente caros para o cada vez mais debilitado poder de compra nacional ou oferecidos, de forma completamente gratuita, por uma qualquer entidade ávida de outras contrapartidas.

Do meu ponto de vista as questões estão, infelizmente, relacionadas uma com a outra. Se a ausência de público pode ser, parcialmente, explicada pelo efeito conjugado do elevado custo das produções, do reduzido apoio das entidades, oficiais e privadas, encarregues de promover e difundir a cultura e dos gostos do público (influenciados como bem sabemos pelos padrões e níveis medíocres que as estações difusoras de televisão nos enfiam casa dentro), os padrões comportamentais têm a ver com a degradação em que tem funcionado o sistema de ensino (formação) nacional e a própria falta de assiduidade aos espectáculos. Será certo que o hábito não faz o monge, mas lá que ajuda…

O nacional-porreirismo em que actualmente vivemos, fenómeno resultante da degradação da qualidade de vida das populações, traduzido no caso vertente no cada vez menor período de tempo em que cada agregado familiar convive e transmite regras e conhecimentos aos mais novos, a degradação da qualidade do ensino e a constante glorificação pelos grandes meios de difusão do facilitismo e da rápida ascensão económica e social, está perfeitamente patente nas incapacidades comportamentais anteriormente referidas, agravadas pelo facto da forma normal de acesso das famílias portuguesas à cultura e ao divertimento ser a televisão e pior, uma televisão de péssima qualidade.

Quando, na entrevista, foi directamente abordada a questão do preço dos espectáculos de teatro e o José Pedro Gomes contou que quando da digressão das “conversas da Treta” se aperceberam que o público da província não estava habituado (preparado económica e culturalmente) para pagar um preço tão elevado pelas entradas tiveram que alterar a forma de trabalho, passando a propor às autarquias a aquisição do espectáculo, ficou exposto o verdadeiro cerne do problema. Os artistas necessitam, e merecem, a justa contrapartida pelo seu trabalho, e na ausência do Ministério da Cultura (que mesmo entendo a lógica de que o não poderá, nem deverá, subsidiar todas as actividades, parece não ter ainda encontrado um rumo definido, funcionando, como tudo o resto neste país, sobrevalorizando as agendas políticas dos seus responsáveis em detrimento do interesse colectivo) tendem a colocar nas mãos das autarquias o problema estando, parece-me, a agravar a situação em vez contribuírem para a resolver.

Estes organismos não estão vocacionados, seja pela limitação das suas disponibilidades financeiras, seja pela sua natural opção pelo apoio às actividades que proporcionem maior visibilidade (e neste país o futebol continua a ser rei e senhor), para suprir as necessidades (carências) culturais das populações. Pior ainda, quando o fazem banalizam o espectáculo e os artistas ao torná-lo gratuito, eliminando a última barreira entre os espectáculos de natureza comemorativa e aqueles que deveriam ser o verdadeiro alicerce da formação de uma estética e gosto cultural nacional.

Não quero com isto dizer que os espectáculos comemorativos tenham que ser de baixa qualidade, nem que os outros tenham que ser orientados para uma qualquer elite intelectual, mas sim que todos nós temos que entender que a cultura, como tudo o mais nesta vida, tem um preço e que esse preço tem que ser ajustado ao nível de vida das populações.

Sendo óbvio que a educação do público se alcança, também, pela continuidade da oferta e pela sua variedade, o efeito do factor preço não deve ser displicente (quem estará disposto a pagar um preço elevado por um espectáculo de menor qualidade sem fazer sentir o seu protesto?) e da sua correcta gestão todos teríamos muito a ganhar.

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