Desde que,
percebendo as rápidas mudanças a que assistia, Luís Vaz de Camões escreveu no
já distante século XVI que “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, que
todos deveríamos estar particularmente atentos e preparados para enfrentarmos
um Mundo em rápida evolução, mesmo quando esta envolve organizações e matérias
particularmente pouco flexíveis.
Espanto dos
espantos, assistimos recentemente a uma revisão oficial da ortodoxia imagética
do Vaticano e ficámos a saber que no futuro as “estórias” de Natal não poderão
continuar a contar com o naipe de personagens tradicional, pois os
investigadores do Papado concluíram, sem mais margem para dúvidas, que no pouco
esclarecido episódio da natividade e à revelia da convicção popular nenhum
representante do reino animal teria assistido ao acto.
Decretada a expulsão
do burro e da vaca do popular presépio, a abertura desta brecha numa ortodoxia
que persiste na subalternização do papel da mulher (recusando-lhe o acesso à
ordenação e até o mais prosaico direito ao planeamento familiar) cria lugar e
justificação para uma reinterpretação mais profunda e mais adequada aos actuais
tempos de vacas magras da tradicional fábula natalícia.
Assim, se o
Vaticano decidiu expulsar os pobres e pacíficos quadrúpedes, tenho para mim que
se exige uma nova exegese e, no mais estrito respeito dos valores actuais, que
também os reis magos sejam retirados da “estória”, pois seguramente o avoengo
homónimo do Gaspar ter-se-á apossado de todo o ouro, mirra e incenso transportado
pelos companheiros, tornando inútil a jornada para consumação da visitação. Se
o fez a mando ou por influência do Herodes, isso não altera a essência do abuso
nem justifica os actos do descendente que se pretende estribado nos ditames
duma “troika”.
Mesmo reduzido
à sua essência mais simples, o episódio natalício – pretexto milenar para
festividades originalmente organizadas para celebrar o renascimento do Sol –
vai continuar a alimentar a imaginação dos mais novos, enquanto aos mais velhos
restarão apenas algumas recordações dos Natais passados…
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