terça-feira, 25 de dezembro de 2012

REESCREVENDO O CONTO DO NATAL


Desde que, percebendo as rápidas mudanças a que assistia, Luís Vaz de Camões escreveu no já distante século XVI que “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, que todos deveríamos estar particularmente atentos e preparados para enfrentarmos um Mundo em rápida evolução, mesmo quando esta envolve organizações e matérias particularmente pouco flexíveis.

Espanto dos espantos, assistimos recentemente a uma revisão oficial da ortodoxia imagética do Vaticano e ficámos a saber que no futuro as “estórias” de Natal não poderão continuar a contar com o naipe de personagens tradicional, pois os investigadores do Papado concluíram, sem mais margem para dúvidas, que no pouco esclarecido episódio da natividade e à revelia da convicção popular nenhum representante do reino animal teria assistido ao acto.


Decretada a expulsão do burro e da vaca do popular presépio, a abertura desta brecha numa ortodoxia que persiste na subalternização do papel da mulher (recusando-lhe o acesso à ordenação e até o mais prosaico direito ao planeamento familiar) cria lugar e justificação para uma reinterpretação mais profunda e mais adequada aos actuais tempos de vacas magras da tradicional fábula natalícia.

Assim, se o Vaticano decidiu expulsar os pobres e pacíficos quadrúpedes, tenho para mim que se exige uma nova exegese e, no mais estrito respeito dos valores actuais, que também os reis magos sejam retirados da “estória”, pois seguramente o avoengo homónimo do Gaspar ter-se-á apossado de todo o ouro, mirra e incenso transportado pelos companheiros, tornando inútil a jornada para consumação da visitação. Se o fez a mando ou por influência do Herodes, isso não altera a essência do abuso nem justifica os actos do descendente que se pretende estribado nos ditames duma “troika”.

Mesmo reduzido à sua essência mais simples, o episódio natalício – pretexto milenar para festividades originalmente organizadas para celebrar o renascimento do Sol – vai continuar a alimentar a imaginação dos mais novos, enquanto aos mais velhos restarão apenas algumas recordações dos Natais passados…

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