terça-feira, 11 de dezembro de 2012

INCONGRUÊNCIA OU PREMEDITAÇÃO?


Enquanto a UE mergulha numa crise de contornos estranhos mas de consequências claras, os seus líderes rejubilam com a atribuição do Nobel da Paz (há falta de algo melhor Durão Barroso assegura que «UE vê Nobel da Paz como estímulo para ultrapassar a crise»...) e os líderes dos seus estados-membros parecem atravessar uma fase de profundo catatonismo, ainda há quem procure alertar-nos para incongruências bem mais prosaicas.


É assim que o professor César da Neves lembra na sua mais recente crónica que a discussão em torno da despesa pública (seja ela com a educação, a saúde ou a segurança) se deveria ater ao princípio de reduzir aquela despesa ao nível dos impostos cobrados; outra forma de apresentar o princípio do orçamento de base zero (assim designado por implicar uma reapreciação anual de todas as rubricas), tão caro aos defensores do rigor orçamental, consiste afinal em pretender reduzir a intervenção do Estado na economia à estrita medida das receitas próprias (ou seja, dos impostos cobrados), não sendo por isso estranho que entre os seus principais defensores se encontrem precisamente aqueles que defendem uma maior liberalização da economia.

É matematicamente correcto (para seguir a mesma linha de argumentação daquele artigo) dizer-se que ninguém pode (deve) gastar acima das suas receitas, mas isso é simultaneamente uma forma ardilosa de limitar o poder de intervenção do Estado e uma linha de raciocínio particularmente cara aos modernos neoliberais  que esquecem na sua argumentação (e esperam que todos façam o mesmo) que se nas últimas décadas as receitas dos impostos têm diminuído isso deve-se à aplicação prática das suas teses de benefício na redução da carga fiscal sobre os maiores rendimentos e sobre as empresas, sob o estafado argumento da fuga de capitais (que César das Neves descreve dizendo que «...se abusarmos desse expediente quem beneficia é a Espanha e Inglaterra, para onde irão os nossos ricos, aumentando a nossa miséria... [e também] ...as empresas não podem ser sobrecarregadas de tributação se quisermos criar emprego e crescimento...») enquanto esquece que a fuga de capitais só corre devido à inexistência duma harmonização fiscal na UE e à manutenção dos paraísos fiscais, medidas a que os neoliberais se opõem em nome duma estranha forma de liberdade.

Um pormenor há que César das Neves não aborda no seu raciocínio aritmético e não é um pequeno pormenor, pois os mais de 8 mil milhões de euros que actualmente saem do OGE para o pagamento dum serviço da dívida que os “nossos amigos credores” se encarregaram de aumentar em 78 mil milhões do dia para a noite quando nos impuseram um programa de recuperação financeira constituem a maior fatia da despesa pública actual.

Mas embalados nesta discussão sobre a dimensão do Estado e a sua anunciada reforma estrutural (entenda-se a privatização a preço de saldo das poucas empresa públicas que ainda restam), em vez de olharmos para a origem do problema europeu e de procurarmos construir uma resposta europeia – única via para resolver um problema criado pela incompetência dos dirigentes europeus – estamos a permitir que dirigentes nacionais, tanto ou mais incompetentes que os congéneres europeus, ampliem o problema até o tornarem insolúvel.

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