Enquanto a UE
mergulha numa crise de contornos estranhos mas de consequências claras, os seus
líderes rejubilam com a atribuição do Nobel da Paz (há falta de algo melhor
Durão Barroso assegura que «UE
vê Nobel da Paz como estímulo para ultrapassar a crise»...) e os líderes
dos seus estados-membros parecem atravessar uma fase de profundo catatonismo,
ainda há quem procure alertar-nos para incongruências bem mais prosaicas.
É assim que o
professor César
da Neves lembra na sua mais recente crónica que a discussão em torno da
despesa pública (seja ela com a educação, a saúde ou a segurança) se deveria
ater ao princípio de reduzir aquela despesa ao nível dos impostos cobrados;
outra forma de apresentar o princípio do orçamento de base zero (assim designado
por implicar uma reapreciação anual de todas as rubricas), tão caro aos defensores
do rigor orçamental, consiste afinal em pretender reduzir a intervenção do
Estado na economia à estrita medida das receitas próprias (ou seja, dos
impostos cobrados), não sendo por isso estranho que entre os seus principais
defensores se encontrem precisamente aqueles que defendem uma maior
liberalização da economia.
É
matematicamente correcto (para seguir a mesma linha de argumentação daquele
artigo) dizer-se que ninguém pode (deve) gastar acima das suas receitas, mas
isso é simultaneamente uma forma ardilosa de limitar o poder de intervenção do
Estado e uma linha de raciocínio particularmente cara aos modernos neoliberais
que esquecem na sua argumentação (e esperam que todos façam o mesmo) que se nas
últimas décadas as receitas dos impostos têm diminuído isso deve-se à aplicação
prática das suas teses de benefício na redução da carga fiscal sobre os maiores
rendimentos e sobre as empresas, sob o estafado argumento da fuga de capitais
(que César das Neves descreve dizendo que «...se abusarmos desse expediente quem beneficia é a
Espanha e Inglaterra, para onde irão os nossos ricos, aumentando a nossa
miséria... [e também] ...as empresas não podem ser sobrecarregadas de tributação se quisermos
criar emprego e crescimento...») enquanto esquece que a fuga de capitais só
corre devido à inexistência duma harmonização fiscal na UE e à manutenção dos
paraísos fiscais, medidas a que os neoliberais se opõem em nome duma estranha
forma de liberdade.
Um pormenor há que
César das Neves não aborda no seu raciocínio aritmético e não é um pequeno
pormenor, pois os mais de 8 mil milhões de euros que actualmente saem do OGE
para o pagamento dum serviço da dívida que os “nossos amigos credores” se
encarregaram de aumentar em 78 mil milhões do dia para a noite quando nos
impuseram um programa de recuperação financeira constituem a maior fatia da
despesa pública actual.
Mas embalados
nesta discussão sobre a dimensão do Estado e a sua anunciada reforma estrutural
(entenda-se a privatização a preço de saldo das poucas empresa públicas que
ainda restam), em vez de olharmos para a origem do problema europeu e de
procurarmos construir uma resposta europeia – única via para resolver um
problema criado pela incompetência dos dirigentes europeus – estamos a permitir
que dirigentes nacionais, tanto ou mais incompetentes que os congéneres
europeus, ampliem o problema até o tornarem insolúvel.
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