Com quase uma
semana de atraso, devido ao agravamento da situação no Mali e ao assalto a uma
refinaria na Argélia, e com um conteúdo sobejamente conhecido, o
primeiro-ministro britânico, o conservador David Cameron, lá acabou por pronunciar
o discurso muito orientado para o eleitorado britânico e onde «promete
referendo sobre a UE depois de 2015»… se continuar como primeiro-ministro.
A imprensa
teve acesso aos principais pontos do discurso e ainda não tinha sido
formalmente pronunciado já circulavam comentários sobre o seu conteúdo, como o
de Martin Schulz, o presidente do Parlamento Europeu, sob o título «O
lar europeu da Grã-Bretanha» onde este recorda que a anunciada
intenção «…de
recuperar mais soberania pode resultar bem junto dos órgãos de comunicação
social britânicos e de alguns sectores do Partido Conservador, notoriamente
eurocépticos, mas questiono se, a longo prazo, esta posição será realmente do
interesse do Reino Unido», para concluir que «…Cameron está a jogar um jogo perigoso
motivado por razões internas, puramente tácticas. Acredito no que ele diz
quando afirma que pretende que o Reino Unido continue a ser membro da UE. No
entanto, Cameron assemelha-se cada vez mais ao aprendiz de feiticeiro, incapaz
de domar as forças que conjurou – forças que pretendem sair da UE por razões
ideológicas, em detrimento do povo britânico».
Tal como
Schulz, também o ex-ministro alemão dos negócios estrangeiros, Joschka Fischer,
defende no artigo «O
eclipse da razão britânica» que existe uma deriva «…pela fantasia ideológica do Partido
Conservador de que certos poderes da UE podiam e deviam ser devolvidos à
soberania britânica», quando é uma realidade que os «…interesses nacionais do Reino Unido não mudaram e, no seio da UE, não
se registaram quaisquer alterações fundamentais contrárias a esses interesses.
O que mudou foi a política interna da Grã-Bretanha», crítica que em boa
medida foi subscrita pelo ministro finlandês dos assuntos europeus,
Alexander Stubb, quando afirmou que «O
Reino Unido é "uma noiva um pouco hesitante"».
Em comum todos
concordam que europeus e britânicos precisam uns dos outros – análise que é
partilhada por Bernardo Pires de Lima quando na crónica «Obrigado,
Cameron» assegura que «…a última coisa que ele (Cameron) quer é tirar o Reino Unido da UE» –, opinião
que em certa medida também Peter Sutherland, ex-comissário europeu e
director-geral da Organização Mundial do Comércio, subscreve no artigo «A
Némesis europeia de David Cameron» onde destaca a importância da corrente
eurocéptica conservadora mas termina lembrando que a fórmula escolhida «…longe de tranquilizar qualquer um
(incluindo os conservadores eurocépticos), a atitude de Cameron anuncia uma
nova era de turbulência e de incerteza para a Grã-Bretanha e para os seus
parceiros europeus».
A generalidade dos comentadores
parece fundamentalmente preocupada com o efeito desagregador que uma proposta
de revisão nos termos da participação britânica poderá ter no projecto europeu;
excepção feita a Bernardo Pires de Lima que vê na posição britânica uma
oportunidade para debater o funcionamento da UE e em especial a de «…vincular a integração europeia a um mandato
democrático». A fácil constatação de que a generalidade das decisões no
seio da UE carecem do mais elementar suporte democrático (além dos membros do
Parlamento Europeu, nenhuma outra estrutura resulta de qualquer processo de
consulta aos cidadãos) parece sustentar aquela leitura; porém, vindo a
iniciativa dum país que desde a primeira hora e em múltiplas ocasiões tem
funcionado mais como entrave que como parte interessada na coesão europeia –
basta lembrar a permanente colagem às teses americanas, a recusa na integração
da Zona Euro e a quase permanente estratégia de bloqueio – para que não se
questione a “honestidade” e a “bondade” da proposta.
É evidente (e aqui partilho quase
integralmente o ponto de vista de Bernardo Pires de Lima) de que os ingleses
estão conscientes que a sua saída da UE representará a perda de «…dimensão continental na política comercial,
promoveria desconfiança nos aliados de Leste, retiraria peso à relação com os
EUA e esvaziaria a influência de Londres na defesa europeia, deixando a França
com demasiada soltura», mas isso apenas reforça a ideia de que a iniciativa
de David Cameron deverá ser avaliada com muito maior cuidado e que esta
constituirá, na prática, não uma louvável iniciativa tendente a devolver a
opinião aos cidadãos (necessária, mas não apenas para este tema) mas
tão-somente mais uma achega para atrasar o aprofundamento do processo de
integração europeia, esse sim a verdadeira Némesis dos fracos políticos que por
essa Europa fora têm sido eleitos e que egoisticamente continuam a fazer
prevalecer os seus interesses pessoais e os nacionais (por esta ordem) ao mais
geral interesse comunitário.
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