Apesar do
evidente cuidado com que a imprensa nacional tem tratado a situação económica
interna, não perdendo uma oportunidade para acentuar a ideia de que a opção
austeritária constitui a única via enquanto silencia quase todos os que lhe
contrapõem alternativas, a realidade externa lá obriga a uma ou outra abertura.
Foi assim que esta semana ficámos a saber que o tribunal
da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) decidiu que na sequência da
falência do Icesave, uma delegação online do banco islandês Landsbanki,
a «Islândia
não tem de reembolsar Reino Unido e Holanda».
A importância
da decisão prende-se com o facto de ter sido a acção popular dos islandeses que
impediu os seus governantes de aceder às exigências dos congéneres inglês e
holandês que prontamente ressarciram os respectivos clientes nacionais do
Icesave. A decisão do tribunal, mais que confirmar a justeza daquela acção
popular, vem dar, queira-se ou não, uma força renovada aos activistas que
continuam a desenvolver esforços e a formular alternativas ao modelo de resgate
europeu preconizado pela tríade BCE-UE-FMI, cujos resultados desastrosos são tão
evidentes que até já o «Banco
Mundial prevê recessão económica na Zona Euro em 2013».
A
desinformação que rodeia a questão não é igual em todos os países nem em todos
os meios de comunicação; aqui ou ali lá vão surgindo notícias ou artigos de
opinião refutando as teses neoliberais, de que é exemplo um artigo publicado na
página do LE MONDE DIPLOMATIQUE,
assinado por Alexis Tsipras, o porta-voz do SYRIZA grego, onde sob o título «A nossa solução
para a Europa» expõe a alternativa proposta pelo seu partido.
Pela sua
actualidade e por não se encontrar traduzido na página nacional daquela
publicação (http://pt.mondediplo.com/),
aqui fica a minha tradução…
«A
nossa solução para a Europa
Fevereiro de
1953. A República Federal da Alemanha (RFA) afogada em dívidas ameaça arrastar
todos os países europeus para uma crise. Preocupados com a sua própria
salvação, os seus credores - incluindo a-Grécia – apercebem-se dum fenómeno que
surpreendeu os liberais: a política de "desvalorização interna", ou
seja, a redução de salários, não garantiu o reembolso dos montantes devidos,
pelo contrário.
Reunidos em
Londres, durante uma cimeira especial, 21 países decidem reavaliar as suas
exigências em função das capacidades reais do seu parceiro para cumprir as suas
obrigações. Reduzem em 60% a dívida nominal acumulada pela RFA e concedem-lhe
uma moratória de cinco anos (1953-1958) bem como um prazo de 30 anos para o
reembolso. Introduzem ainda uma "cláusula de desenvolvimento"
permitindo que o país não consagre ao serviço da dívida mais de um vigésimo das
suas receitas de exportação. A Europa acaba de arrepiar o caminho definido no
Tratado de Versalhes (1919), lançando as bases para o desenvolvimento da
Alemanha Ocidental depois da guerra.
Isto é
precisamente o que a Coligação da Esquerda Radical Grega (SYRIZA) agora propõe:
contrariar os pequenos Tratados de Versalhes impostos pela chanceler alemã,
Angela Merkel, e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, aos países
europeus endividados, e inspirar-nos com um dos momentos de maior clarividência
registado na Europa do pós-guerra.
Os programas
de "resgate" dos países do Sul da Europa falharam, cavando poços sem
fundo que os contribuintes são convidamos para tentar preencher. Nunca foi tão
urgente alcançar uma solução abrangente, colectiva e definitiva do problema da
dívida. É inaceitável que semelhante objectivo seja escamoteado por forma a
garantir a reeleição da chanceler alemã.
Nestas
condições, a ideia proposta pelo SYRIZA da realização duma conferência europeia
sobre a dívida, no modelo daquela de Londres sobre a dívida alemã em 1953,
representa, em nossa opinião, uma solução realista e benéfica para todos: uma
resposta global à crise de crédito e à constatação do fracasso das políticas
conduzidas na Europa.
Eis o que
pedimos para a Grécia:
- Uma
redução significativa do valor nominal da dívida pública acumulada;
- Uma
moratória sobre o serviço da dívida, de modo que as quantias libertadas
sejam afectadas à recuperação económica;
- A
instauração duma "cláusula de desenvolvimento" para que o
pagamento da dívida não asfixie a recuperação económica;
- Que
as somas destinadas à recapitalização dos bancos não sejam incluídas na
dívida pública do país.
Estas medidas
devem ser apoiadas por reformas que visem uma distribuição mais equitativa da
riqueza. Acabar com a crise implica uma ruptura com o passado que ajudou a
criá-la: trabalhar para a justiça social, para a igualdade de direitos, a
transparência política e fiscal, em resumo, pela democracia. Semelhante
projecto não pode ser implementado senão por um partido independente da
oligarquia financeira, esse punhado de empresários que tomaram o Estado refém,
esses armadores de solidariedade mútua e - até 2013 - isentos de impostos, de
proprietários dos meios de comunicação e banqueiros de pacotilha (e falidos)
que têm a responsabilidade pela crise e procuram manter o status quo. O Relatório Anual de 2012 da organização
não-governamental (ONG) Transparency International designa a Grécia como o país
mais corrupto da Europa.
Esta proposta
constitui, em nossa opinião, a única solução, para obviar o aumento exponencial
da dívida pública na Europa, onde já ultrapassa, em média, 90% do produto
interno bruto (PIB). Isto é o que nos torna optimistas: a nossa proposta não
poderá ser rejeitada, porque a crise corrói já o núcleo da zona do euro. A
procrastinação não tem outro resultado senão o de aumentar os custos económicos
e sociais da actual situação, não só para a Grécia, mas também para a Alemanha
e para os restantes países que adoptaram a moeda única.
Durante doze
anos, a zona euro – inspirada nos dogmas liberais - funcionou como uma união
monetária sem equivalente político e social. Os deficits comerciais dos países
do Sul eram o reverso dos excedentes registados no Norte. A moeda única também
serviu especialmente a Alemanha, "esfriando" a sua economia após a
onerosa reunificação de 1990.
Mas a crise da
dívida veio perturbar esse equilíbrio. Berlim respondeu exportando a sua
receita de austeridade, o que agravou a polarização social nos estados do Sul e
as tensões económicas no coração da zona do euro. Aparece agora num eixo
Norte-credores/Sul-devedores, uma nova divisão do trabalho orquestrada pelos
países mais ricos, onde o Sul se irá especializar em produtos e serviços de
elevada procura de mão-de-obra barata e o Norte, numa competição para a
qualidade e a inovação, com salários mais elevados, para alguns.
A proposta do
Sr. Hans-Peter Keitel, presidente da Federação das Indústrias Alemãs (BDI),
numa entrevista na página Internet do Der Spiegel, para transformar a Grécia em
"zona económica especial" [«BDI-Chef
Griechenland zur Sonderwirtschaftszone machen», Spiegel Online, 10 de Setembro
de 2012, www.spiegel.de]
revela o verdadeiro objectivo do memorando [Acordo
assinado em Maio de 2010, que institui a austeridade em Atenas, em troca do seu
"resgate" financeiro]. As medidas
previstas no seu texto, cujo alcance se estende pelo menos até 2020, saldou-se
num fracasso retumbante, agora reconhecido pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI). Mas para os seus criadores, o acordo tem a vantagem de impor uma tutela
económica à Grécia, que a relega para a categoria de colónia financeira da área
do euro.
O seu
cancelamento é, portanto, o pré-requisito para qualquer saída da crise: o
medicamento é que é mortal, não é a dose, como sugerem alguns.
É igualmente
necessário interrogarmo-nos sobre as outras causas da crise financeira na
Grécia. As que conduziram ao desperdício de dinheiros públicos não mudaram: o
mais elevado custo de construção de estradas por km na Europa, por exemplo, ou
a privatização de auto-estradas como um "pré-pagamento" de novos
eixos... cuja construção foi interrompida.
A extensão da
desigualdade não pode ser reduzida a um efeito secundário da crise financeira.
O sistema fiscal grego reflecte a relação de clientelismo que une as elites do
país. Como numa peneira, é cheio de isenções e direitos de passagem sob medida
para o cartel oligárquico. O pacto informal que, desde a ditadura, une o
patronato e a hidra bicéfala do bipartidarismo - Nova Democracia e do Movimento
Socialista Pan-helénico (PASOK) – mantém-se intacto. Esta é uma das razões pela
qual o Estado renunciou à obtenção dos recursos necessários através dos
impostos, preferindo a contínua redução dos salários e pensões.
Mas o establishment - que sobreviveu por pouco
às eleições de 17 de Junho [Com 29,66% dos votos, a
Nova Democracia (direita) foi forçada a formar uma coligação com o PASOK
(12,28% dos votos) e Esquerda Democrática (6,26%). No segundo lugar, o Syriza
registou uma votação de 26,89% (mais 10 pontos que nas eleições de Maio de
2012) e o partido neo-nazi Aurora Dourada, 6,92% (inalterado desde Maio de
2012)], espalhando medo sobre uma possível
saída da Grécia da zona do euro - vive sob assistência respiratória de um
segundo pulmão artificial: a corrupção. A difícil tarefa de quebrar o conluio
entre os círculos políticos e económicos - um problema que não é exclusivo da
Grécia - constituirá uma das prioridades dum governo popular liderado pelo
Syriza.
Por isso nós
reclamamos uma moratória sobre o serviço da dívida para mudar a Grécia. Caso
contrário, qualquer nova tentativa de consolidação fiscal fará de nós Sísifos
fadados ao fracasso. Só que desta vez, o drama diz respeito não só à antiga
cidade de Corinto, mas à Europa como um todo.
por Alexis
Tsipras»
…com a qual
espero contribuir para erradicar o mito da inexistência da alternativas.
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