sábado, 2 de fevereiro de 2013

O RESGATE EUROPEU


Apesar do evidente cuidado com que a imprensa nacional tem tratado a situação económica interna, não perdendo uma oportunidade para acentuar a ideia de que a opção austeritária constitui a única via enquanto silencia quase todos os que lhe contrapõem alternativas, a realidade externa lá obriga a uma ou outra abertura. Foi assim que esta semana ficámos a saber que o tribunal da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) decidiu que na sequência da falência do Icesave, uma delegação online do banco islandês Landsbanki, a «Islândia não tem de reembolsar Reino Unido e Holanda».

A importância da decisão prende-se com o facto de ter sido a acção popular dos islandeses que impediu os seus governantes de aceder às exigências dos congéneres inglês e holandês que prontamente ressarciram os respectivos clientes nacionais do Icesave. A decisão do tribunal, mais que confirmar a justeza daquela acção popular, vem dar, queira-se ou não, uma força renovada aos activistas que continuam a desenvolver esforços e a formular alternativas ao modelo de resgate europeu preconizado pela tríade BCE-UE-FMI, cujos resultados desastrosos são tão evidentes que até já o «Banco Mundial prevê recessão económica na Zona Euro em 2013».


A desinformação que rodeia a questão não é igual em todos os países nem em todos os meios de comunicação; aqui ou ali lá vão surgindo notícias ou artigos de opinião refutando as teses neoliberais, de que é exemplo um artigo publicado na página do LE MONDE DIPLOMATIQUE, assinado por Alexis Tsipras, o porta-voz do SYRIZA grego, onde sob o título «A nossa solução para a Europa» expõe a alternativa proposta pelo seu partido.

Pela sua actualidade e por não se encontrar traduzido na página nacional daquela publicação (http://pt.mondediplo.com/), aqui fica a minha tradução…
«A nossa solução para a Europa

Fevereiro de 1953. A República Federal da Alemanha (RFA) afogada em dívidas ameaça arrastar todos os países europeus para uma crise. Preocupados com a sua própria salvação, os seus credores - incluindo a-Grécia – apercebem-se dum fenómeno que surpreendeu os liberais: a política de "desvalorização interna", ou seja, a redução de salários, não garantiu o reembolso dos montantes devidos, pelo contrário.

Reunidos em Londres, durante uma cimeira especial, 21 países decidem reavaliar as suas exigências em função das capacidades reais do seu parceiro para cumprir as suas obrigações. Reduzem em 60% a dívida nominal acumulada pela RFA e concedem-lhe uma moratória de cinco anos (1953-1958) bem como um prazo de 30 anos para o reembolso. Introduzem ainda uma "cláusula de desenvolvimento" permitindo que o país não consagre ao serviço da dívida mais de um vigésimo das suas receitas de exportação. A Europa acaba de arrepiar o caminho definido no Tratado de Versalhes (1919), lançando as bases para o desenvolvimento da Alemanha Ocidental depois da guerra.

Isto é precisamente o que a Coligação da Esquerda Radical Grega (SYRIZA) agora propõe: contrariar os pequenos Tratados de Versalhes impostos pela chanceler alemã, Angela Merkel, e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, aos países europeus endividados, e inspirar-nos com um dos momentos de maior clarividência registado na Europa do pós-guerra.

Os programas de "resgate" dos países do Sul da Europa falharam, cavando poços sem fundo que os contribuintes são convidamos para tentar preencher. Nunca foi tão urgente alcançar uma solução abrangente, colectiva e definitiva do problema da dívida. É inaceitável que semelhante objectivo seja escamoteado por forma a garantir a reeleição da chanceler alemã.

Nestas condições, a ideia proposta pelo SYRIZA da realização duma conferência europeia sobre a dívida, no modelo daquela de Londres sobre a dívida alemã em 1953, representa, em nossa opinião, uma solução realista e benéfica para todos: uma resposta global à crise de crédito e à constatação do fracasso das políticas conduzidas na Europa.

Eis o que pedimos para a Grécia:
  • Uma redução significativa do valor nominal da dívida pública acumulada;
  • Uma moratória sobre o serviço da dívida, de modo que as quantias libertadas sejam afectadas à recuperação económica;
  • A instauração duma "cláusula de desenvolvimento" para que o pagamento da dívida não asfixie a recuperação económica;
  • Que as somas destinadas à recapitalização dos bancos não sejam incluídas na dívida pública do país.
Estas medidas devem ser apoiadas por reformas que visem uma distribuição mais equitativa da riqueza. Acabar com a crise implica uma ruptura com o passado que ajudou a criá-la: trabalhar para a justiça social, para a igualdade de direitos, a transparência política e fiscal, em resumo, pela democracia. Semelhante projecto não pode ser implementado senão por um partido independente da oligarquia financeira, esse punhado de empresários que tomaram o Estado refém, esses armadores de solidariedade mútua e - até 2013 - isentos de impostos, de proprietários dos meios de comunicação e banqueiros de pacotilha (e falidos) que têm a responsabilidade pela crise e procuram manter o status quo. O Relatório Anual de 2012 da organização não-governamental (ONG) Transparency International designa a Grécia como o país mais corrupto da Europa.

Esta proposta constitui, em nossa opinião, a única solução, para obviar o aumento exponencial da dívida pública na Europa, onde já ultrapassa, em média, 90% do produto interno bruto (PIB). Isto é o que nos torna optimistas: a nossa proposta não poderá ser rejeitada, porque a crise corrói já o núcleo da zona do euro. A procrastinação não tem outro resultado senão o de aumentar os custos económicos e sociais da actual situação, não só para a Grécia, mas também para a Alemanha e para os restantes países que adoptaram a moeda única.

Durante doze anos, a zona euro – inspirada nos dogmas liberais - funcionou como uma união monetária sem equivalente político e social. Os deficits comerciais dos países do Sul eram o reverso dos excedentes registados no Norte. A moeda única também serviu especialmente a Alemanha, "esfriando" a sua economia após a onerosa reunificação de 1990.

Mas a crise da dívida veio perturbar esse equilíbrio. Berlim respondeu exportando a sua receita de austeridade, o que agravou a polarização social nos estados do Sul e as tensões económicas no coração da zona do euro. Aparece agora num eixo Norte-credores/Sul-devedores, uma nova divisão do trabalho orquestrada pelos países mais ricos, onde o Sul se irá especializar em produtos e serviços de elevada procura de mão-de-obra barata e o Norte, numa competição para a qualidade e a inovação, com salários mais elevados, para  alguns.

A proposta do Sr. Hans-Peter Keitel, presidente da Federação das Indústrias Alemãs (BDI), numa entrevista na página Internet do Der Spiegel, para transformar a Grécia em "zona económica especial" [«BDI-Chef Griechenland zur Sonderwirtschaftszone machen», Spiegel Online, 10 de Setembro de 2012, www.spiegel.de] revela o verdadeiro objectivo do memorando [Acordo assinado em Maio de 2010, que institui a austeridade em Atenas, em troca do seu "resgate" financeiro]. As medidas previstas no seu texto, cujo alcance se estende pelo menos até 2020, saldou-se num fracasso retumbante, agora reconhecido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas para os seus criadores, o acordo tem a vantagem de impor uma tutela económica à Grécia, que a relega para a categoria de colónia financeira da área do euro.

O seu cancelamento é, portanto, o pré-requisito para qualquer saída da crise: o medicamento é que é mortal, não é a dose, como sugerem alguns.

É igualmente necessário interrogarmo-nos sobre as outras causas da crise financeira na Grécia. As que conduziram ao desperdício de dinheiros públicos não mudaram: o mais elevado custo de construção de estradas por km na Europa, por exemplo, ou a privatização de auto-estradas como um "pré-pagamento" de novos eixos... cuja construção foi interrompida.

A extensão da desigualdade não pode ser reduzida a um efeito secundário da crise financeira. O sistema fiscal grego reflecte a relação de clientelismo que une as elites do país. Como numa peneira, é cheio de isenções e direitos de passagem sob medida para o cartel oligárquico. O pacto informal que, desde a ditadura, une o patronato e a hidra bicéfala do bipartidarismo - Nova Democracia e do Movimento Socialista Pan-helénico (PASOK) – mantém-se intacto. Esta é uma das razões pela qual o Estado renunciou à obtenção dos recursos necessários através dos impostos, preferindo a contínua redução dos salários e pensões.

Mas o establishment - que sobreviveu por pouco às eleições de 17 de Junho [Com 29,66% dos votos, a Nova Democracia (direita) foi forçada a formar uma coligação com o PASOK (12,28% dos votos) e Esquerda Democrática (6,26%). No segundo lugar, o Syriza registou uma votação de 26,89% (mais 10 pontos que nas eleições de Maio de 2012) e o partido neo-nazi Aurora Dourada, 6,92% (inalterado desde Maio de 2012)], espalhando medo sobre uma possível saída da Grécia da zona do euro - vive sob assistência respiratória de um segundo pulmão artificial: a corrupção. A difícil tarefa de quebrar o conluio entre os círculos políticos e económicos - um problema que não é exclusivo da Grécia - constituirá uma das prioridades dum governo popular liderado pelo Syriza.

Por isso nós reclamamos uma moratória sobre o serviço da dívida para mudar a Grécia. Caso contrário, qualquer nova tentativa de consolidação fiscal fará de nós Sísifos fadados ao fracasso. Só que desta vez, o drama diz respeito não só à antiga cidade de Corinto, mas à Europa como um todo.

por Alexis Tsipras»

…com a qual espero contribuir para erradicar o mito da inexistência da alternativas.

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