Como
apreciador de cinema (que me julgo) o título da última crónica do Prof César
das Neves, «Estão a
ver o filme?», despertou-me mais que a habitual curiosidade semanal (o
autor publica às segundas-feiras no DN) e foi
com acrescido interesse que iniciei a sua leitura, na expectativa de ver que
comungávamos de interesses comuns além da recusa ao novo Acordo Ortográfico.
Confesso a
minha decepção quando constatei que a referência do título era meramente
figurativa e que o “filme” do Prof. era tão-somente o famigerado e amplamente
vilipendiado estudo do FMI produzido para que aceitemos pacificamente mais uma
redução, agora duns módicos 4 mil milhões de euros, na despesa pública.
Diga-se em
abono da verdade que o Prof. César das Neves não se fica pela confortável
posição de subscrever o teor do documento, reconhecendo que «[c]ortar 4000 milhões de euros de forma permanente à
despesa pública não é a solução» e que «…quem recusa tem de apresentar cortes alternativos de valor equivalente.
Senão diz só uma tolice ociosa de quem não está a ver o filme». O busílis
da sua argumentação (comum a quase todos os apoiantes das políticas neoliberais
em curso) é que além de defender um número sem fundamentação adicional para a sua
dimensão pretende ainda que, ao contrário do que no seu dizer afirmam os
detractores da medida, «… grande parte
dos supostos direitos não foram de todo adquiridos, mas atribuídos
irresponsavelmente com dinheiro alemão», afirmação que volta novamente a
não fundamentar o que justifica prontos reparos.
Primeiro; considerando que parte
significativa das medidas até agora tomadas e das já anunciadas se traduz na
redução dos encargos com pensões de aposentação e que estas (excepção feita aos
regimes extraordinários dos cargos políticos) resultam dos descontos efectuados
pelos actuais beneficiários durante a sua vida activa, só com manifesta
aleivosia e um completo desconhecimento técnico é que poderão ser apelidados de
direitos não adquiridos.
Segundo; desconheço (situação de
ignorância em que não estou seguramente isolado) em que dados estatísticos se
baseou o Prof. César das Neves para apontar peremptoriamente a nacionalidade
dos fundos, pois excepção feita aos 78 mil milhões atribuídos ao abrigo do PAEF
acordado com a “troika” e parcialmente financiado através de fundos dos estados
europeus (a Alemanha poderá ser a maior contribuinte mas não é seguramente a
única) o restante da dívida pública portuguesa estará nos balanços do sector
financeiro e este, como é do conhecimento geral, além de privado não tem
nacionalidade.
Terceiro; contrariamente ao
afirmado, muitos dos críticos da opção pelas políticas de austeridade em vigor
têm apontado alternativas, pelo que recordo aqui que para alcançar a poupança
dos inexplicados 4 mil milhões bastaria reduzir os encargos com o serviço duma
dívida pública que só em 2012 ultrapassou os 8 mil milhões de euros. A verdade
é que se propostas deste jaez não chegam ao grande público isso deve-se tão
somente ao facto dos meios de comunicação escolherem criteriosamente a quem dão
voz.
Posto isto, e para manter o registo
no âmbito cinematográfico com que foi iniciado, a pergunta que deixo a todos é
se tudo isto não lhes lembra não um qualquer filme, mas especificamente A
GRANDE FARRA (alegoria onde quatro personagens de meia idade e bem sucedidos na
vida resolvem terminar os seus dias a comer, filmada em 1973 pelo italiano Marco
Ferreri, com o título original «La grande bouffe») onde uns poucos se arrogam o
direito de “comer tudo” enquanto a restante maioria “morre de fome”…
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