Notícias como a de que «França
envia tropas para combater islamitas no Mali» e a leitura do artigo de
opinião «ÁFRICA
EMERGENTE», que Bernardo Pires de Lima ontem assinou no DN, justificam um outro
olhar sobre aquelas realidades.
Diga-se em
jeito de introdução que é impossível que a mera referência ao Mali não lembre
de imediato o mítico nome de Tombuctu, uma das cidades malianas atingidas pelos
efeitos do conflito armado e local privilegiado para conhecer por todos os que
sonham com um contacto directo com locais que marcaram a evolução da História
Mundial (não foi seguramente um acaso o seu reconhecimento pela UNESCO como
património mundial), deveria bastar para impedir que sobre este soprassem os
ventos da guerra, já que o mesmo não se consegue relativamente aos ventos e às
areias do Sahara que ameaçam soterrá-la.
A nostalgia
duma Tombuctu soterrada pelas areias ou a raiva de ver destruído (em nome da
intolerância e do fanatismo religioso) mais um marco histórico, constitui
apenas uma das abordagens possíveis e a menos pragmática. Envolvida na luta
entre o governo sediado em Bamako e os separatistas do Azawad (território do
norte do Mali, maioritariamente constituído por tuaregues e onde, depois de ter
afastado o histórico MNLA – Movimento Nacional para a Libertação do Azawad, pontifica
o movimento islamita Ansar al-Dine, normalmente conotado com a Al-Qaeda),
Tombuctu vê assim ampliado o nível de ameaça que sobre si pende, a ponto de já
há meses ter sido notícia que «Combatentes islamitas
estão a destruir os mausoléus de Tombuctu» e tema do “post” «BARBÁRIE»,
justificando-se entender os interesses que se movem por detrás das tendências
separatistas e da reacção francesa.
A região do
Sahara-Sahel (território que inclui além dos países do Norte de África
atravessados pelo Sahara uma faixa de território a sul que se estende do
Atlântico ao Mar Vermelho) é apenas outra onde persistem os mais que óbvios
problemas originados no desenho administrativo de fronteiras por potências
colonizadoras, no qual ciclicamente ocorrem pequenos conflitos, que na
actualidade e fruto da inventada guerra contra o terror estão a ganhar novos
contornos. Quando a isto se juntam outros factores, como a recente queda do
regime líbio do coronel Kadhafi e a proliferação de armamento distribuído
durante aquele conflito, a emergência de novos “interesses” na região (como é o
caso de petromonarquias como a qatari que foi a grande financiadora do
movimento anti-Kadhafi) e o reconhecido interesse estratégico duma região
próxima doutras onde abundam petróleo, gás, urânio, e fosfatos, para além do mais
estratégico dos minerais, o coltan (mistura de dois minerais, columbita e
tantalita, originando um metal de alta resistência térmica e electromagnética indispensáveis
na fabricação de mísseis e dos modernos aparelhos de comunicação e de orientação portátil).
Na presença de
semelhante prémio não será de estranhar o interesse de franceses, americanos e
chineses (principal parceiro económico dos países africanos desde 2009), nem
sequer o interesse estratégico – partilhado entre ocidentais e qataris – de
isolar a Argélia e o seu mentor, a rival Rússia.
Qualquer que
seja o desfecho no Mali (e o lógico é esperar uma vitória francesa) e as
contrapartidas assim ganhas para as respectivas economias, o certo é que
continuarão por resolver as naturais ansiedades do povo tuaregue, pelo que se
manterão todas as razões de fundo para a repetição do cenário que agora se vive
nesta, como noutras regiões africanas (veja-se o flagrante exemplo do Congo)
abundantes em recursos minerais de alto valor estratégico, razões que sustentam
a ideia que embora seja expectável a continuação dos cenários de crescimento
dalgumas das principais economias do continente, o seu desenvolvimento deverá
continuar a ser profundamente desigual e ao sabor doutros interesses.
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