quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

EM QUE FICAMOS?


Depois de termos ouvido meses a fio a ladainha governativa de que «Não pediremos mais tempo nem mais dinheiro», isto porque a estratégia governativa era a correcta e as políticas de austeridade (leia-se a política de redução de salários, pensões e prestações sociais, porque o resto da despesa pública pouco ou nada tem sido revista) estavam a dar resultados, eis que fomos surpreendidos com a notícia de que durante a última reunião do Eurogrupo, concertado com a Irlanda, «Portugal pediu alargamento do prazo do empréstimo» e que aquele «Eurogrupo vai “estudar problemas” potenciais de aumento dos prazos dos empréstimos a Portugal». No caso concreto, da tranche de 26 mil milhões suportada pelo FEEF, pois os 26 mil milhões suportados pelo MEEF serão objecto de idêntico pedido nos próximos dias e sobre os restantes 26 mil milhões suportados pelo FMI nada foi adiantado.

Não menos interessante que a confirmação que afinal sempre seria necessário rever os prazos de maturidade dos financiamentos, é a constatação que esta iniciativa apenas ocorre «…para evitar "picos de refinanciamento" quando o país regressar aos mercados» (Vitor Gaspar na notícia do EXPRESSO «Portugal pede mais tempo para pagar à troika») mesmo quando ainda se ignora se a alteração comportará ou não agravamento nos juros. Por outras palavras e para que não restem dúvidas sobre quais os interesses que o actual Governo serve e protege, o próprio «CDS diz que pedido é importante para regresso aos mercados», donde se infere que a protecção e o interesse dos portugueses nunca constituíram preocupação digna de menção.


Logo que conhecida a “novidade” foram auscultados os opinantes do costume e assim, lesto, o DINHEIRO VIVO transcreveu a opinião de Medina Carreira de que «“isto não é um acordo de perdão” […apenas…] “ganhamos mais tempo para arrumar a casa”, mas isto pode não significar mais dinheiro para a economia, já que “o mesmo dinheiro vai sair mais tarde”» (asserção apenas verdadeira para a amortização de capital, já que os juros aumentarão mesmo sem penalização); já Silva Lopes começou por lembrar «…que a diferença será mínima e que “não é por ganharmos mais tempo que vamos ter menos austeridade” acrescentando que «…“se houvesse um aumento do prazo para pagar e ao mesmo tempo uma suspensão dos juros era muito mais favorável porque aí sim a economia poderia receber maior financiamento”», o que acaba por confirmar que a actuação correcta é a de exigir uma renegociação que inclua prazos, montantes e taxa de juro, da dívida.

Nesse mesmo dia o PUBLICO escrevia que «Portugal prepara emissão de dívida a cinco anos» enquanto o EXPRESSO assegurava que «Portugal tem que financiar 110,6 milhões entre 2014 e 2016», acentuando assim a ideia de que estamos a ser governados em benefício alheio, pois o famigerado regresso aos mercados não ocorre para colmatar necessidades próprias. Isso mesmo foi hoje confirmado quando se começou a noticiar o sucesso da operação, como o fez o ECONÓMICO, dizendo que a «Procura rasga os 10 mil milhões, juro deve ficar abaixo de 5%», como se pagar um juro 40% superior ao cobrado pela “troika” (a taxa média do empréstimo ao abrigo do PAEF é da ordem dos 3,5%, valor que quando comparado com a taxa de 0,75% a que o BCE financia os compradores da dívida pode ser qualificado de agiota) fosse em quaisquer circunstâncias um bom sinal para a economia portuguesa.


É claro que ainda mal se tinha iniciado o processo de operação sindicada (o regresso aos mercados não se fez segundo o modelo do leilão mas antes através dum duma operação previamente negociada) e já se faziam ouvir as primeiras loas à excelência e à visão do ministro das finanças (na edição de ontem do PUBLICO, Manuel Carvalho concluía assim o seu artigo «O dito, o não dito e o reiterado»: «Critique-se o ministro por alegadamente estar a destruir a economia ou por ser insensível aos custos materiais e humanos da austeridade. Pode-se até sublinhar que o prazo para o ajustamento, que exige sacrifícios aos cidadãos em nome do cumprimento do défice, não sofreu qualquer discussão ou pedido de renegociação. No que se refere à crucial necessidade de conquistar credibilidade internacional para promover um regresso de Portugal aos mercados, porém, Gaspar continua com a sua ficha técnica praticamente imaculada»), continuando sempre por aludir aos investidores em dívida pública, os verdadeiros beneficiados neste processo, que a julgar por este resultado devem concordar a 100% quando lêem que «Ribeiro e Castro diz que regresso aos mercados foi “movimento de mestre” de Gaspar».

Enquanto os meios de comunicação divulgam as loas e os aplausos dos investidores e especuladores nos mercados de capitais e silenciam as suas mais óbvias consequências, traduzidas num encarecimento do serviço da dívida por via dos juros mais elevados e num aumento do endividamento público (precisamente no mesmo dia em que é noticiado que a «Dívida pública portuguesa é a 3ª mais alta da UE», tendo atingido 120% do PIB no 3º trimestre de 2012), escapando apenas uma referência quase humorística quando se lê que o banco holandês «ING diz que emissão de Portugal coloca pressão sobre agências de "rating"»; como se isso tivesse qualquer efeito prático sobre a origem do problema – desadequação do modelo europeu de financiamento público que obriga os estados-membros a financiarem-se junto do sector financeiro em lugar do BCE – ou sobre a persistente dilação na solução: criação dum mecanismo de política orçamental e fiscal comum no seio da Zona Euro e a conversão do BCE no financiador dos défices públicos.

Até lá... continuamos, como ou sem “regresso aos mercados”, sem saber onde ficamos.


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