Na passada semana o presidente norte-americano proferiu, a partir do Departamento de Estado, o segundo discurso do seu mandato especificamente orientado para o mundo árabe. Quase dois anos após o celebrizado Discurso do Cairo[1], Obama voltou a abordar a delicada questão árabe, num momento em que boa parte dos estados daquela região vivem conturbados momentos de convulsão social.
A imprensa nacional e internacional comentou amplamente este novo discurso, destacando de forma quase unânime a referência que o chefe da Casa Branca proferiu a propósito do velho conflito israelo-árabe e da necessidade de retoma do diálogo baseando-o nas fronteiras definidas em 1967 (e reconhecidas pela ONU) e na criação dum estado palestiniano desmilitarizado; tudo o mais que foi referido no longo discurso, nomeadamente o manifesto apoio aos movimentos reformistas, foi prontamente relegado para o limbo da memória.
Ainda antes da publicação da notícia que o «Primeiro-ministro israelita rejeita “visão” de Obama para um Estado palestiniano», já o influente “think tank” americano, o COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS, tornava públicos comentários e críticas mais ou menos ferozes e pró judaicas de alguns dos seus membros[2], que esquecendo o essencial da mensagem se concentraram principalmente na polémica questão palestiniana.
De um e do outro lado do Atlântico quase terá passado despercebida a inflexão política agora redefinida, quando, Obama privilegiou a opção pela defesa da vontade popular em detrimento da via da força (como defendeu Bush e o grupo dos neoconservadores), e ainda mais o rápido recuo na questão palestiniana. O muito comentado discurso de Obama e as prontas e críticas reacções apenas necessitam de ser analisadas sob uma luz diferente, pois não só Obama nunca pensou em colocar em perigo a independência judaica (a prova está nas próprias palavras de Obama quando defende a criação dum estado palestiniano desmilitarizado), como o discurso que proferiu no último fim-de-semana na cerimónia de abertura do congresso da AIPAC[3] o confirma e no qual retomou a tradicional exigência de que o Hamas reconheça a existência de Israel e precisou que as negociações de paz terão que contemplar cedências de território de parte a parte.
Na prática Obama produziu um discurso para consumo externo (e em especial para o mundo árabe) num dia para, 72 horas volvidas, produzir outro para consumo interno, não sem pelo meio ter participado numa reunião com Netanyahu na qual terão confrontado argumentos e donde resultou a notícia que «EUA e Israel reconhecem “divergências” e admitem “perigos”», mas sem deixarem transpirar uma única palavra sobre a forma de fazer avançar a famigerada solução dois povos–dois estados que o arrastar do tempo, das indecisões e da fragilidade dos políticos que a lideram (americanos, israelitas e palestinianos) se revela cada vez mais distante e difícil.
[1] Ver a propósito o “post” «DO ALTO DESTAS PIRÂMIDES...»
[2] Entre outras destaco as de Elliot Abrams (Mideast Speech – Strong Rethoric, Weak Plan) e de Robert Danin, Eni Enrico Mattei (Obama’s Bold, Uneven Mideast Vision), que alinham numa claríssima defesa dos interesses e das teses mais sionistas.
[3] Sigla do American Israel Public Affairs Committee , o poderoso e influentsíssimo “lobby” pró-judaico nos EUA.
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