Por justas e variadas razões abstive-me até esta data de tecer qualquer tipo de comentário sobre a realidade eleitoral nacional; não que o comentário à situação económica possa (em caso algum) ser asséptico ou apolítico, mas o panorama político nacional está de tal forma distorcido e tem sido alvo das mais abjectas manipulações que no conturbado momento que atravessamos quase parece desnecessário qualquer tipo de comentário.
Senão vejamos. Os três partidos da área do poder (PS, PSD e CDS) lançaram-se numa campanha eleitoral procurando evitar a mínima referência à forma como pretendem lidar com as consequências do acordo de resgate financeiro firmado entre o governo de José Sócrates, o FMI e a EU, e que todos solidariamente subscreveram; apesar de alguns dos condicionalismos doo documento serem já públicos, continuam por revelar de forma clara as suas condições – algo de impensável e completamente surreal em vésperas dum processo eleitoral que determinará a formação dum governo encarregue de gerir aquele mesmo acordo – e enquanto os três grandes partidos mantém heroicamente o silêncio sobre o assunto apelam ao voto dos eleitores em nome da sua simpatia ou da incompetência dos concorrentes. Vendo bem, esta atitude até pode se considerada como perfeitamente normal que depois de terem subscrito um cheque em branco com os financiadores salvadores esperem agora que os eleitores (tão crédulos e inocentes quanto eles) procedam do mesmo modo e os elejam para o exercício dum poder reduzido mas nem por isso menos importante e compensador: o de assegurar que os eleitores contribuintes paguem a factura dos dislates que eles, ou outros como eles, praticaram.
Em contrapartida os que defendem a existência doutras alternativas, ou simplesmente criticam a opção, não conseguem fazer ouvir a sua voz na gritaria que os primeiros fazem. Com ou sem o beneplácito da generalidade da imprensa, o facto é que os cabeçalhos das notícias centram-se nas tricas e nos dichotes que os candidatos a deputados (e seus ajudantes de circunstância) trocam entre si, enquanto pouco ou nada se ouve ou lê sobre propostas concretas para enfrentarmos a crise.
Entre “slogans” vazios de conteúdo, chavões martelados até à exaustão e mentiras despudoradas, continua a fazer-se uma campanha eleitoral cujos principais intervenientes fintam descaradamente o debate sobre as reais consequências da opção de recurso ao programa de resgate financeiro, sobre se este servirá ou não os interesses dos eleitores ou até se resolverá ou não a situação financeira nacional; se por acaso se vêem confrontados com alternativas ou forçados a ouvir opções, desconhecedores do assunto e vazios de ideias próprias, argumentam de pronto que as réplicas são impraticáveis ou irreais, mas em caso algum adiantam argumentos que provem aquela impraticabilidade o irrealidade.
Talvez ainda pior que o silenciar a realidade económica nacional e europeia, o fazer campanha – como o fazem algumas figuras de menor relevo oficial mas não de maior qualidade ética – opinando sobre as parcas qualidades e as imensas fragilidades do governo cessante enquanto esquecem que aqueles que defendem em alternativa são no essencial cópias fieis dos que execram, ou dar ao prelo obras de aparente solidez técnica e de imensas referências estatísticas para demonstrar os erros e os fracassos dos governos que tivemos duma tendência enquanto esquecem e escamoteiam os mesmos erros e os mesmos fracassos de governos doutra tendência.
A vacuidade e o manobrismo revelado pelos contendores da área do poder (desde os auto-proclamados candidatos a primeiro-ministro até às figuras de segundo e terceiro plano, ou desde os que afirmam não alinhar em campanhas caluniosas enquanto encarregam terceiros de as fazer por eles), os resultados das suas passagens por anteriores governos – com o que trouxeram de má-gestão e de compadrios múltiplos – deveriam ser motivo bastante para que poucos ainda se deixassem iludir pelos seus cantos de sereia ou pelos seus indisfarçáveis e afiados caninos.
Bem gostaria que os eleitores nacionais revelassem a voracidade de feras no momento de julgar aqueles que agora se nos oferecem com a candura das virgens impolutas e com voto claro e firme afastassem das páginas da História aqueles que tão vilmente têm conduzido o país nas últimas décadas e que agora, vestidos com roupagens de cor igual ou diversa, se aprestam a continuar o trabalho iniciado.
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