Se dúvidas houvesse quanto à forma e conteúdo do pensamento dominante nos círculos financeiros e empresariais europeus, bastará ler este artigo do FINANCIAL TIMES para que estas se desvaneçam.
Sob o esclarecedor título «Portugal: demasiada cenoura e pouco cacete», aquela influente publicação deixa bem claro como uma certa europa encara a existência da União Europeia e a forma como esta deverá funcionar no futuro, com as grandes economias a controlarem o funcionamento das pequenas e mediante o recurso à política da cenoura (a promessa de recompensa) e do cacete (ao mínimo caso de desafio das ordens ou de desvio das regras).
O artigo é de tal forma esclarecedor que não resisto a deixar uma sua tradução:
«Demasiada cenoura e pouco cacete. O resgate de 78 mil milhões de euros pela UE e pelo FMI tem demasiado dinheiro e poucas contrapartidas. A UE, fazendo o papel de polícia bom, comparticipa com dois terços dos fundos (o valor total da ajuda atinge os 45% do PIB português) e o FMI, o polícia mau, um terço. Estes valores reflectem o desiquilíbrio no peso dos dois financiadores de último recurso, mas se alguma vez uma economia necessitou de menos Europa e mais FMI, foi Portugal.
Portugal desperdiçou a sua década na Zona Euro. A economia registou um pequeno alento antes da desão graças às reformas necessárias para garantir a candidatura de Lisboa., mas, segundo o Capital Economics, entre 2001 e 2007 a sua economia cresceu apenas 1,1% ao ano. Valor comparado com os mais de 5% anuais da Irlanda e embora equivalente à taxa de crescimento registada no mesmo período na Itália e na Alemanha, nem por isso a economia portuguesa deixou de se apresentar mias pobre e com menor desenvolvimento industrial que estas duas economias da Zona Euro.
Lisboa tem pela frente um enorme esforço para alcançar o resto da Europa. No entanto, José Sócrates, o primeiro-ministro demissionário, não deixou transparecer nada disto quando anunciou o programa de resgate na passada terça-feira. Num comentário que tresandava a complacência e numa ostentação de riqueza, pareceu sugerir que recorrer a um pacote de resgate enorme seria relativamente indolor.
Houve especulação que a UE e o FMI divergiram sobre a dureza que as contrapartidas do resgate deveriam ter. Era bom que isso fosse verdade: dada a dimensão do ajustamento estrutural que se exige, os funcionários do FMI deveriam estar ansiosos para pôr as mãos sobre a economia portuguesa, que muito se assemelha a um mercado emergente. Uma dose de medicamento Consenso de Washington é precisamente o que Portugal precisa.»
E chamando uma especial atenção para o seu final, onde com o maior dos despudores se faz uma clara apologia da aplicação pura e dura do chamado ”Consenso de Washington”, ou seja a cartilha de políticas monetaristas e neoliberais traduzidas na desregulamentação e na liberalização dos mercados, na abertura ao investimento estrangeiro, na privatização de empresas públicas, na reforma fiscal e na redução dos gastos públicos, que, em todos os cenários onde foram aplicadas, conduziram a profundas recessões económicas, ao empobrecimento geral das populações e nunca aos objectivos de crescimento e reequilíbrio económicos prometidos, como ainda recentemente o lembrou o ex-presidente brasileiro Lula da Silva que na sua última visita a Portugal afirmou, para quem o quis ouvir, que «O FMI não resolve o problema de Portugal» como não resolveu o do Brasil.
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