Ontem à noite, aproveitando o intervalo de um importante desafio de futebol, o primeiro-ministro José Sócrates informou-nos pela televisão, com a pompa e a circunstância possíveis, quais as medidas que não estariam previstas no acordo de assistência financeira (termo mais adequado que o vulgarucho resgate) a assinar com o FEEF, o BCE e o FMI, em troca de (diz-se) 78 mil milhões de euros.
Sobre os termos do acordo, ou seja, quais as medidas que os portugueses pagadores de impostos terão que suportar, o primeiro-ministro nada adiantou, mas não perdeu a oportunidade para, travestindo-se em líder do PS, repetir uma e outra vez que o acordo era belíssimo, mais não fazia que recuperar o famoso PEC IV, rejeitado pela maioria parlamentar, e que dificilmente poderia ter sido alcançado outro melhor.
De pronto (o tempo indispensável para transferir o directo) o PSD reagiu pela voz de Eduardo Catroga (ex-ministro das finanças dum governo de Cavaco Silva e que tem sido apresentado como o chefe da delegação do partido às negociações com o FMI, como se alguém, governo incluído, negociasse alguma coisa com os “técnicos” estrangeiros), para declarar que, face ao aumento do prazo para a redução do défice em mais um, o acordo alcançado constituía uma derrota do governo, mas sobre o seu real conteúdo foi ainda mais omisso que Sócrates.
É certo que hoje já se começaram a surgir algumas observações a propósito duns aumentos de impostos (ou o seu equivalente via redução das isenções fiscais ou correcções na tabela do IVA), mas nada alarmante, tanto mais que a entretando conhecida redução da taxa social única (ou seja a contrapartida paga pelas empresas para o financiamento da segurança social) irá seguramente contribuir de forma decisiva para a redução duma taxa de desemprego que persiste em quedar-se nos dois dígitos.
Mesmo que do anúncio nada tenha constado quanto a medidas para o relançamento da actividade económica (salvo a tal redução da taxa social única) e para o indispensável crescimento da riqueza nacional, mesmo que sobre o agravamento do endividamento público em 78 mil milhões de euros (quase 50% do PIB nacional) e sobre a forma como este irá ser pago nada tenha sido dito é inegável que depois do muito que se especulou sobre a intervenção conjunta do FMI e da UE, tudo parece correr sobre rodas... perdão, rosas... como convém em vésperas eleitorais.
Depois de escolhido o novo governo e quando novamente a proverbial mansidão portuguesa tenha recolocado no poder a mesma elite carecida de cultura e de valores que tem governo o país nas últimas décadas, tornar-se-ão então paulatinamente visíveis os reais custos dum resgate financeiro desnecessário (salvo sob o ponto de vista dos credores), gravoso para os interesses nacionais e ineficaz para o fim anunciado, pois a redução da dívida soberana só será alcançável com um conjunto de políticas diametralmente opostas das agora anunciadas. O desendividamento apenas será alcançado mediante o aumento da produção nacional, a qual depende de dois factores: investimentos orientados para o sector de bens transaccionáveis e salários que permitam gerar receitas (lucros e poupanças) fomentadoras de novos investimentos.
O parco oásis que agora se anuncia voltará, inexoravelmente, a converter-se na miragem que sempre tem sido o horizonte proporcionado pelos tristes governantes que temos tido.
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