terça-feira, 10 de maio de 2011

O ANIVERSÁRIO DA VELHA SENHORA


A celebração dum aniversário tem por hábito incluir a formulação de votos de felicidade e de longa vida, mesmo quando a aniversariante é uma velha senhora. Isso ocorre, não porque realmente a celebrante os entenda no sentido estrito mas pelo que representa de manifestação de carinho e de harmonia no seio do grupo dos mais próximos.

Ora a comemoração do Dia da Europa, que ontem se assinalou, não podia ter ocorrido em momento menos harmonioso. Não só a Europa – projecto de união solidária, cooperante e estimulante – se encontra cada vez mais afastada dos princípios que a originaram, como uma inversão nas políticas que a conduziram ao seu actual estado de inoperância parece cada vez mais longe.


Longe de se encontrar no seu seio o arreigado desejo de mais e melhor Europa, o que diariamente vemos é a constante aviltação daqueles valores e a sua substituição por um egocentrismo de vistas curtas e piores efeitos, bem expresso no ressurgimento de partidos populistas e nacionalistas. Até os líderes dos membros mais antigos, logo com acrescidas responsabilidades na preservação dos valores fundadores, não se têm coibido de formular as mais estapafúrdias propostas desde que estas sirvam os seus interesses conjunturais.

Nem outra coisa seria de esperar numa época em que a plêiade de dirigentes europeus é integrada por personalidades do calibre dum Silvio Berlusconi – industrial e primeiro-ministro italiano sucessivamente envolvido em polémicos casos judiciais –, dum Nicolas Sarkozy – presidente francês conhecido pelas suas posições anti-emigração, também ele envolvido em escândalos de financiamentos partidários (vejam-se os casos Clearstream e Woerth-Bettencourt) e práticas nepotistas (de que é claro exemplo a polémica tentativa de nomeação do próprio filho para a direcção da EPAD, empresa pública gestora do parque industrial de La Défense ) – ou até de uma Angela Merkel, a quem se não se apontam grandes escândalos pessoais também não se poupam as sua posições conservadoras e em especial a polémica declaração do fracasso do modelo de do multiculturalismo na Alemanha –, ou quando a liderança da UE está depositada em figuras sem ideias nem carisma, como o nosso bem conhecido Durão Barroso – o ex-primeiro-ministro português que se apresentou ao eleitorado para contrariar o “oásis guterrista” e que, depois de apoiar enfaticamente as intenções belicistas de Bush e Blair relativamente ao Iraque, trocou um “país de tanga” pela presidência da Comissão Europeia – ou a não menos triste figura de Herman Van Rompuy, o belga que há semelhança de Durão Barroso trocou o governo dum país dividido por uma profunda clivagem entre as comunidades valã e flamenga pela presidência do Conselho Europeu.

O ganho de poder das grandes economias ficou claro após a aprovação do Tratado de Lisboa – documento inicialmente apresentado como uma constituição europeia mas que a generalizada contestação que sofreu levou a generalidade dos timoratos líderes nacionais a transformar em mero tratado e assim obviar à necessidade de aprovação pelos respectivos parlamentos – realidade agravada ainda perante o poder dos interesses prefigurados pelas grandes corporações financeiras e industriais e a inevitável fragilização do tecido político europeu, cada vez mais evidente desde o início da chamada crise da dívida soberana. Embora esta tenha sido originada numa espiral especulativa financeira, a prontidão com que os poderes públicos (teoricamente eleitos para zelarem pelo interesse colectivo) acorreram a injectar milhares de milhões de euros nos balanços dum sistema financeiro descapitalizado e descredibilizado e a incapacidade (ou a intencionalidade) que estes revelaram na concertação dum estratégia comunitária de abordagem aos primeiro sinais de debilidade das economias mais frágeis, fez com que da divisão europeia nascesse nova vaga de instabilidade económica e social.

E é assim que se assinalou mais um Dia da Europa quando nela alastram sentimentos contraditórios, pois enquanto nos sectores mais opulentos e conservadores cresce a resistência à ajuda aos mais pobres e frágeis (esquecendo que parte da sua riqueza resulta do que àqueles vendem), nestes germina a dúvida sobre as reais vantagens duma união construída apenas para favorecer os primeiros e no conjunto alastram ideias cada vez mais proteccionistas, como aconteceu no primeiro quartel do século passado e a Europa viveu com as duas guerras mundiais que a devastaram um dos seus períodos mais negros.

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