A
notícia da semana é, sem dúvida, a situação de paralisia financeira, verdadeiro
apagão financeiro, que vive o governo da principal potência mundial: os EUA.
Desprovidos
dum mecanismo automático de orçamentação por duodécimos, a tentativa suicida do
Partido Republicano para fazer depender a provação do orçamento da suspensão da
entrada em vigor do “Obamacare” (programa
que alarga as franjas mais desfavorecidas da população o acesso aos seguros de
assistência na saúde e que tem a designação oficial de Affordable Care Act),
redundou num impasse que se traduz agora no encerramento dos serviços federais
não essenciais, algo que os americanos designam de “shutdown”.
Resumir que o que este braço-de-ferro encobre é, além da velha sanha da
facção republicana radical conhecida como Tea Party contra Obama, fruto do
desespero político e reduzi-lo à afirmação que «Guerra
contra Obamacare é "medida extrema" para não perder eleitores», esconde mais que o que
revela. As mutações (ou a falta duma verdadeira adaptação) do modelo bipartidário
norte-americano atingiram um estado onde uma minoria num dos partidos pode
transformar em refém todo o sistema, incluindo a maioria do seu próprio partido;
se a isto somarmos o peso da institucionalizada prática de “lobbying” e o facto dos congressistas
viverem em permanente estado eleitoral (o sistema eleitoral norte-americano é
tão complexo que é um dado adquirido para qualquer político que a campanha de
reeleição tem de ser iniciada no dia imediato à eleição), bem se pode afirmar,
como o fez o influente colunista do THE NEW
YORK TIMES, Thomas Friedman, que a
democracia americana está em risco e que o «Presidente Obama não defende o sistema de saúde. Está a defender a
saúda da nossa democracia e cada americano que preze isso deve apoiá-lo».
Assim, fruto dum sistema bipartidário que caminha para ao bsurdo, duma
conjuntura política onde cada um dos partidos lidera uma das câmaras (a dos
Representantes é liderada pelos Republicanos e o Senado pelos Democratas) e da
crescente irracionalidade dos extremistas (sim, nos EUA também existem
extremistas…) da facção republicana conhecida como “Tea Party”, que levou o
próprio presidente Obama a dizer que a
paragem do Governo se deve a uma "cruzada
ideológica", da
noite para o dia e sem qualquer racionalidade cerca de 800 mil americanos – o
quadro nacional de funcionários federais terá cerca de 2 milhões, mas os
restantes integram os chamados serviços essenciais (militares, segurança,
guardas prisionais, controladores aéreos, serviços secretos, incluindo os
membros do Congresso, facto que, a par com as manifestações populares de
desagrado, já motivou a notícia que alguns «Congressistas
abdicam de salário durante 'shutdown'»)
pelo que deverão continuar a trabalhar sabendo que registarão atrasos nos
salários – acordaram na madrugada do dia 1 de Outubro na pouco invejável
situação de empregados sem remuneração.
Com
o passar dos dias, o custo do encerramento de departamento federais começará a
produzir efeitos crescentes no conjunto da economia norte-americana, que apesar
das notícias recentes de que cresceu 2,5% no segundo trimestre
ainda se encontra longe de poder afirmar-se saudável e capaz de absorver uma
estimativa de custos que aponta para que o «Estado
fechado custa mais por mês que o Katrina», a tempestade tropical que varreu
o sul dos EUA em 2005 e terá originado prejuízos superiores a 80 mil milhões de
dólares; mais concretamente uma estimativa apresentada pela consultora IHS
aponta para que o crescimento trimestral do PIB norte-americano possa ser
afectado em 0,2% (mais de 3 mil milhões de dólares), por cada semana de paralisação.
Mas não são
apenas as consequências de natureza económica interna que devem merecer atenção
neste momento (sem esquecer a particularidade de se saber que o «Pentágono
gastou 5 mil milhões na véspera de administração encerrar», num verdadeiro
frenesim de assinaturas em 94 novos contratos com empresas
privadas para aumentar os arsenais e as capacidades dos vários ramos das forças
armadas), pois a
manutenção deste braço de ferro, agora que o «Prazo
para aumentar tecto da dívida pública está quase a terminar» e até já se
avisa que uma situação de «Bancarrota nos EUA pode gerar uma crise pior que a
de 2008»,
deverá inviabilizar também a aprovação dos novos
financiamentos necessários à liquidação de parte da dívida (começa a vencer-se
a partir do dia 18) e o consequente incumprimento, situação que já levou o
presidente Obama a alertar para o efeito do shutdown na dívida americana
enquanto na Europa se faz sentir o efeito com a subida do euro para máximos de oito meses.
O sistema
político/legislativo norte-americano é de tal forma sui generis que não está
excluída a hipótese da crise se poder resolver rapidamente ou a de se arrastar
durante duas penosas semanas. Admitindo que nas vésperas da data fatídica (18
de Outubro) os representantes republicanos e democratas continuam sem alcançar
um entendimento, já começaram a ser desenhadas as alternativas que restarão à
Casa Branca para evitar o “default”:
ordenar, à revelia da limitação, a emissão de nova dívida, optar pela suspensão
dos pagamentos correntes ou não pagar a dívida. O interessante nesta polémica
académica (os EUA nunca irão deixar de amortizar a dívida vencida) é que alguns
especialistas norte-americanos defendem que é obrigação constitucional do
presidente violar a limitação orçamental e nunca reduzir a despesa, ponto de
vista que deste lado do Atlântico se pretende ver aplicado precisamente ao
contrário.
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