domingo, 27 de outubro de 2013

…ERROS CRASSOS

Já com o debate do novo orçamento em curso surgiu o anúncio pelo EUROSTAT que «Portugal termina 2012 com o quarto maior défice e a terceira maior dívida na UE» e que apesar dos aturados esforços de Passos Coelho e dos excelsos conselhos da “troika«Portugal foi o país da zona euro onde a dívida pública mais se agravou entre 2010 e 2012» o que podendo pressagiar, na linha do que vem sendo feito, a confirmação de que aqueles resultados longe de denunciarem o fracasso das políticas implementadas apenas confirmam a necessidade de intensificar a linha de actuação seguida, acabou por se resumir à afirmação por Maria Luís Albuquerque que o «Governo espera baixar impostos em 2015».

Mas atenção, desiluda-se quem pense tratar-se duma correcção do rumo, duma inversão de estratégia ou apenas da confirmação doutra afirmação da “Senhora Swap”: a de que «Não é intenção do Governo torturar os portugueses».

Primeiro, porque na realidade todo o tempo e dedicação são insuficientes para concretizar a verdadeira intenção do Governo que é mesmo, e tão só, a de assegurar uma melhor distribuição da riqueza em benefício do capital; segundo, porque 2015 – coincidência das coincidências – será o ano das próximas eleições legislativas (…se o Governo se aguentar até lá!), ou seja, se Cavaco Silva mantiver a sua linha de actuação (algo que se pode considerar garantido) e a UE aceitar transformar o “segundo resgate” – segundo o Goldman Sachs «Portugal precisa de 2º resgate de 30 mil milhões» de euros – num “programa cautelar” – nas palavras de Carlos Moedas, o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, «Portugal não vai ter novo empréstimo mas sim um “seguro”» –, opção que depende do Tribunal Constitucional alemão (aquele que, segundo escreveu Daniel Oliveira em «Programa cautelar: é a política, estúpido!», é formado por juízes e não por “activistas”, como o nosso), cuja opinião é definitiva para, nas palvras de Viriato Soromenho Marques em «Programa cautelar», a «...nossa possível passagem de um "protectorado" no inferno do resgate para outro no purgatório cautelar».

Mas, a acreditar na proposta de OE para 2014 (que aqui pode ser consultada na íntegra), o erro do governo de Passos Coelho não é apenas ideológico – a insistência num modelo comprovadamente desadequado, reflectido na pretensão, conforme imposição da “troika”, de encerrar aquele exercício com um défice de 4% do PIB, para o que terá de reduzir os gastos em 1,9% – ou conceptual – a escolha dos pressupostos externos e internos –, revela-se logo na própria elaboração técnica do documento.

O Governo, para atingir o objectivo proposto parte das seguintes perspectivas externas:
  • um crescimento da procura externa de 3,5%;
  • um preço do Brent (petróleo) situado nos 102,8 dólares por barril;
  • uma taxa de câmbio do euro fixada em 1,35 dólares;

a que junta uma previsão para a economia doméstica de:
  • um crescimento da economia de 0,8%;
  • um aumento dos preços de 0,9%;

para finalizar com a estimativa dum PIB da ordem dos 168.000 milhões de euros para 2014; aplicando a este valor os 190pp que se pretende reduzir ao défice conclui-se que a despesa pública terá que ser reduzida em 3.200 milhões de euros.

Ao contrário do que tem feito a imprensa nacional, debatendo o volume e a natureza dos “cortes”, a questão central na proposta apresentada e na elaboração de qualquer cenário macroeconómico continua a ser a do cálculo do efeito multiplicador sobre o orçamento. Se este for, como em tempos pretendeu o FMI (ver o “post” «O ERRO DO FMI») e agora insiste a ministra das Finanças, de 0,8 (ou seja a cada euro retirado corresponderia uma redução de 80 cêntimos no produto), então o valor final do PIB será o prometido na proposta de Orçamento e pouco haveria a discutir sobre o assunto, além dum pormenor ou outro em torno dos pressupostos já referidos.

Porém, como próprio FMI já o admitiu, o efeito daquele multiplicador situa-se muito acima dos inicialmente previstos 0,8, quedando-se por uns consideráveis 1,5 (significando na prática que por cada euro “poupado” no OE a economia decrescerá um euro e meio) e havendo mesmo quem estime, como é o caso neste estudo do Banco de Portugal, o efeito nuns “enormes” 2.

Assim sendo, se considerarmos um multiplicador de 1,5 o efeito contraccionista da redução dos 190pp ultrapassará largamente os 4 mil milhões de euros (4.800 milhões, números redondos) e o PIB sofrerá a correspondente redução para menos de 166 mil milhões, o que significa uma recessão de 0,5% no próximo ano; já no caso de se confirmar a hipótese mais pessimista (multiplicador igual a 2) a redução da despesa pública implicará um efeito de quase 6,5 mil milhões de euros e uma quebra no PIB de 1,5%.

Num claro exercício de manipulação e de pura desonestidade intelectual a Proposta de Orçamento para 2014 apresenta um simulacro de análise de sensibilidade que em momento algum questiona o sacrossanto valor daquele multiplicador. Admite cenários desfavoráveis na evolução dos preços do petróleo e das taxas de juro, no crescimento das economias europeias (principais destinos da exportações nacionais), vai ao extremo de admitir efeitos adversos na deterioração dos activos bancários e no processo de desalavancagem do sector financeiro, na procura interna, mas sem nunca questionar o dogma do multiplicador orçamental, que como se viu significa a continuação do ciclo recessivo da economia.

Isso, aliás, entende-se melhor nas múltiplas declarações de Maria Luís Albuquerque, à imprensa e aos deputados, onde nunca responde à questão, escondendo-se por detrás de afirmações dúbias, na recusa do debate sobre a dimensão dos multiplicadores orçamentais ou na mera reafirmação das suas convicções (em tudo análogas à “fezada” que a ministra da Agricultura invocou em tempos de seca).

Não fosse a Assembleia da República maioritariamente constituída por “apparatchiks” e seguramente o destino duma proposta de orçamento ferida de erros técnicos básicos seria um rotundo chumbo.

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