Já com o debate do novo orçamento em curso surgiu o anúncio pelo EUROSTAT que «Portugal
termina 2012 com o quarto maior défice e a terceira maior dívida na UE»
e que apesar dos aturados esforços de Passos Coelho e dos excelsos conselhos da
“troika” «Portugal
foi o país da zona euro onde a dívida pública mais se agravou entre 2010 e 2012» o que podendo pressagiar, na
linha do que vem sendo feito, a confirmação de que aqueles resultados longe de
denunciarem o fracasso das políticas
implementadas apenas confirmam a necessidade de intensificar a linha de actuação seguida, acabou por se resumir à afirmação por
Maria Luís Albuquerque que o «Governo
espera baixar impostos em 2015».
Mas atenção,
desiluda-se quem pense tratar-se duma correcção do rumo, duma inversão de
estratégia ou apenas da confirmação doutra afirmação da “Senhora Swap”: a de
que «Não
é intenção do Governo torturar os portugueses».
Primeiro,
porque na realidade todo o tempo e dedicação são insuficientes para concretizar
a verdadeira intenção do Governo que é mesmo, e tão só, a de assegurar uma
melhor distribuição da riqueza em benefício do capital; segundo, porque 2015 –
coincidência das coincidências – será o ano das próximas eleições legislativas
(…se o Governo se aguentar até lá!), ou seja, se Cavaco Silva mantiver a sua
linha de actuação (algo que se pode considerar garantido) e a UE aceitar
transformar o “segundo resgate” – segundo o Goldman Sachs «Portugal
precisa de 2º resgate de 30 mil milhões» de euros – num “programa cautelar” – nas palavras de
Carlos Moedas, o secretário de Estado adjunto do
primeiro-ministro, «Portugal
não vai ter novo empréstimo mas sim um “seguro”» –, opção que depende do Tribunal
Constitucional alemão (aquele que, segundo escreveu Daniel Oliveira em «Programa
cautelar: é a política, estúpido!», é formado por juízes e não por
“activistas”, como o nosso), cuja opinião é definitiva para, nas palvras de
Viriato Soromenho Marques em «Programa
cautelar», a «...nossa possível passagem de um
"protectorado" no inferno do resgate para outro no purgatório cautelar».
Mas, a acreditar na proposta de OE para 2014 (que aqui pode ser consultada na íntegra), o erro do governo de Passos Coelho não é apenas ideológico – a insistência num modelo comprovadamente desadequado, reflectido na pretensão, conforme imposição da “troika”, de encerrar aquele exercício com um défice de 4% do PIB, para o que terá de reduzir os gastos em 1,9% – ou conceptual – a escolha dos pressupostos externos e internos –, revela-se logo na própria elaboração técnica do documento.
O Governo, para atingir o objectivo proposto parte das seguintes perspectivas externas:
- um crescimento da procura externa de 3,5%;
- um preço do Brent (petróleo) situado nos 102,8 dólares por barril;
- uma taxa de câmbio do euro fixada em 1,35 dólares;
a que junta uma previsão para a economia doméstica de:
- um crescimento da economia de 0,8%;
- um aumento dos preços de 0,9%;
para finalizar com a estimativa dum PIB da ordem dos 168.000 milhões de euros para 2014; aplicando a este valor os 190pp que se pretende reduzir ao défice conclui-se que a despesa pública terá que ser reduzida em 3.200 milhões de euros.
Ao contrário do que tem feito a imprensa nacional, debatendo o volume e a
natureza dos “cortes”, a questão central na proposta apresentada e na
elaboração de qualquer cenário macroeconómico continua a ser a do cálculo do
efeito multiplicador sobre o orçamento. Se este for, como em tempos pretendeu o
FMI (ver o “post” «O ERRO DO
FMI») e agora insiste a ministra das Finanças, de 0,8 (ou seja a cada euro
retirado corresponderia uma redução de 80 cêntimos no produto), então o valor
final do PIB será o prometido na proposta de Orçamento e pouco haveria a
discutir sobre o assunto, além dum pormenor ou outro em torno dos pressupostos
já referidos.
Porém, como próprio FMI já o admitiu, o efeito daquele multiplicador situa-se
muito acima dos inicialmente previstos 0,8, quedando-se por uns consideráveis
1,5 (significando na prática que por cada euro “poupado” no OE a economia
decrescerá um euro e meio) e havendo mesmo quem estime, como é o caso neste
estudo do Banco de Portugal, o efeito nuns “enormes” 2.
Assim sendo, se considerarmos um multiplicador de 1,5 o efeito
contraccionista da redução dos 190pp ultrapassará largamente os 4 mil milhões
de euros (4.800 milhões, números redondos) e o PIB sofrerá a correspondente
redução para menos de 166 mil
milhões, o que significa uma recessão de 0,5% no próximo ano; já no caso de se confirmar a
hipótese mais pessimista (multiplicador igual a 2) a redução da despesa pública
implicará um efeito de quase 6,5 mil milhões de euros e uma quebra no PIB de
1,5%.
Num claro exercício de manipulação e de pura desonestidade intelectual a
Proposta de Orçamento para 2014 apresenta um simulacro de análise de
sensibilidade que em momento algum questiona o sacrossanto valor daquele
multiplicador. Admite cenários desfavoráveis na evolução dos preços do petróleo
e das taxas de juro, no crescimento das economias europeias (principais
destinos da exportações nacionais), vai ao extremo de admitir efeitos adversos
na deterioração dos activos bancários e no processo de desalavancagem do sector
financeiro, na procura interna, mas sem nunca questionar o dogma do
multiplicador orçamental, que como se viu significa a continuação do ciclo
recessivo da economia.
Isso, aliás,
entende-se melhor nas múltiplas declarações de Maria Luís Albuquerque, à
imprensa e aos deputados, onde nunca responde à questão, escondendo-se por
detrás de afirmações dúbias, na recusa do debate sobre a dimensão dos multiplicadores orçamentais
ou na mera reafirmação das suas convicções (em tudo análogas à “fezada” que a
ministra da Agricultura invocou em tempos de seca).
Não fosse a
Assembleia da República maioritariamente constituída por “apparatchiks” e seguramente o destino duma proposta de orçamento ferida
de erros técnicos básicos seria um rotundo chumbo.
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