quinta-feira, 4 de julho de 2013

PALHAÇADA

Perante a persistência do clima de incerteza sobre o futuro dum governo que nos últimos dias passou de moribundo oficial a cadáver declarado, alimentado pela migração de Vítor Gaspar e pelo abandono de Paulo Portas que não parece disposto a aceitar a opção de Passos Coelho pela Senhora Swap, não tardaram a surgir notícias dando conta que «Portugal já chegou à Grécia e o segundo resgate vem a caminho».

Como que a confirmar aquela certeza o ECONÓMICO anunciou que «Receio de novo resgate produz subida histórica nos juros» e que «Bolsa nacional sofre maior tombo no mundo», enquanto o NEGÓCIOS dizia que a «Bolsa nacional fecha com maior queda desde Abril de 2010. Banca afunda mais de 10%», tornando comum ouvir referir que os bancos teriam perdido entre 2 e 3 mil milhões de euros, numa claríssima confusão entre quebra na capitalização bolsista (estimativa do valor dum empresa dada pela multiplicação da cotação diária pelo número de acções representativas do seu capital) e prejuízos resultantes duma venda real a preço inferior ao de custo.

Os tempos estão particularmente favoráveis para este e outros tipos de desinformação. Comprovando-o (como tantas vezes tenho feito neste espaço, denunciando e ajudando a desmitificar estas e outras notícias) veja-se que 24 horas volvidas os mesmos jornais já escreviam que a «Bolsa recupera metade do tombo de ontem» ou que a «Bolsa nacional ganha mais de 3% com BCP e BES a valorizar 7%», esquecendo-se de lembrar a enorme utilidade deste tipo de acontecimentos (reais ou improvisados) na criação de ganhos para os especuladores através da volatilidade dos mercados.

Além de não esclarecerem nem contribuírem para relativizar a importância real das oscilações dos índices bolsistas, a generalidade da imprensa ainda contribui para ampliar o sentimento de instabilidade e insegurança sempre que alude a evolução dos juros da dívida pública sem cuidar de explicar que isso não acarreta reflexos directos nem imediatos sobre os custos do serviço da dívida (ou seja os juros pagos pelas obrigações já emitidas) nem que tenha que existir uma correlação directa entre aqueles e os juros das emissões futuras.


O alarmismo despoletado por este tipo de cabeçalhos, invariavelmente pouco ou nada explicados no corpo das notícias, ou o que resulta daquelas que pouco mais fazem que transmitir recados – de que é exemplo a que afirma que «Troika e mercados exigem maioria estável» em nada contribui para informar os cidadãos e pouco ajudará a resolver a situação de impasse político entre os parceiros duma coligação governativa ferida de morte desde o episódio da TSU, no Outono de 2012.

O inverso do quadro informativo descrito pode ser encontrado no editorial do FINANCIAL TIMES de hoje; sob o título «Portugal’s crisis of politics and growth» é apresentado um quadro bem mais esclarecedor (mesmo que algumas das premissas ou propostas de soluções possam ser sujeitas a críticas) e real da situação do país, pelo que aqui deixo a sua tradução:



«Crise da política e do crescimento de Portugal

É necessário um novo modelo para a economia ultrapassada do país

Portugal está a atingir os limites políticos da austeridade. A renúncia de dois ministros provocou uma crise que ameaça derrubar o governo. Independentemente do resultado, o programa de resgate de 78 mil milhões de euros, acordado em 2011, está agora em perigo e os crescentes juros sobre a dívida de Portugal sugerem que um novo resgate pode ser necessário.

Lisboa tem sido diligente na aplicação das medidas exigidas pelos seus salvadores - a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Em apenas dois anos Portugal concluiu cerca de dois terços do ajustamento necessário para estabilizar o seu défice orçamental. Houve um forte consenso sobre as reformas difíceis, como a liberalização do mercado de trabalho. No entanto, uma recessão mais profunda e mais prolongada do que o esperado enfraqueceu esse consenso quando Portugal se prepara para a fase mais difícil do seu regime de austeridade que antecede a saída programada no próximo verão. Isso exigiria mais cortes na dimensão do Estado, pensões e salários. Tudo isto numa altura em que está já previsto que o desemprego se eleve acima de 18 por cento.

A realidade dos desafios económicos de Portugal começam finalmente a definir-se e nem todos serão objecto de medidas de austeridade da troika. Embora Lisboa e Dublin tenham sido muitas vezes relegados para a mesma classe na periferia da zona do euro, as causas dos seus respectivos traumas são fundamentalmente diferentes. O da Irlanda nasceu do excesso de propriedade e de crédito. Mas tem uma força de trabalho altamente qualificada e indústria razoavelmente robusta para fornecer uma plataforma para o crescimento quando a economia mundial começa a reanimar. Portugal, no entanto, tem sofrido de uma erosão rápida da sua base industrial nos últimos anos. A que resta é pouco competitiva e a força de trabalho pouco qualificada. A sua economia estava estagnada há uma década antes da crise rebentar. Não há garantia de que, mesmo que Lisboa satisfaça as condições da troika, o crescimento sustentável venha a surgir. Sem isso, a capacidade de Portugal para chegar a níveis administráveis de dívida deve ser questionada.

Os credores de Portugal deveriam reconhecer que o seu programa falhou. A troika teve de reduzir as metas do défice duas vezes. Não há qualquer hipótese de, na ausência de crescimento global, não serem convidados a reduzi-los mais uma vez. E isso deve ser feito. O BCE também indiciou que está pronto para ajudar Portugal a refinanciar-se após a conclusão do programa, caso os investidores o não façam. Como as necessidades de Lisboa para este ano e parte do seguinte já foram satisfeitas, Portugal e os seus credores têm um pouco de espaço para respirar. Este não deve ser desperdiçado. Ambos, devedor e os credores, devem usar o tempo para elaborar medidas que ajudem o país a construir uma plataforma para crescimento futuro, que poderia ser aplicado no pagamento dessa ajuda.

Isso vai exigir mais coragem dos políticos de Portugal. Eles terão que enfrentar interesses que guardam zelosamente privilégios no serviço público ou em sectores como as telecomunicações ou energia. Mas os credores também devem perceber que sem a promessa de crescimento e de melhores tempos à frente, nenhum político pode ter a esperança de ganhar tal batalha.»

A muito pragmática apreciação do FINANCIAL TIMES – repito, mesmo que passível de críticas – e uma simples apreciação da informação que vai sendo divulgada sobre a situação política nacional, nomeadamente a que refere que «Passos e Portas negoceiam refundação do programa de Governo», torna-a arrepiante.


Ainda que potencialmente exagerado, o único termo que me ocorre para referir este tipo de situações é apodá-las de palhaçada, tanto mais que notícias sobre a crise política, dando conta que «Portas pode ficar no Governo como vice-PM e ministro da Economia» enquanto outras referem que «Passos Coelho ainda não tem acordo fechado com Paulo Portas» reflectem precisamente a farsa e o manobrismo que grassam entre a elite política nacional e reduzem a zero os belos discursos da credibilidade e da estabilidade que dizem ter pautado as acções e as opções governativas do que agora ninguém mais poderá negar tratar-se dum grupo de factótuns inconscientes, incompetentes e irresponsáveis que tem sobrevivido a expensas duma população intencionalmente desinformada e com a cobertura dum presidente da mesma estirpe.

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