sábado, 13 de julho de 2013

O REGRESSO DO EXÉRCITO AO CAIRO

Coincidindo o derrube militar do presidente egípcio, Mohamed Morsi, com o início do Ramadão (período durante o qual os fiéis muçulmanos observam o jejum ritual) passou-se do cenário de manifestações diárias contra o governo deposto para um mais contido de vigília de protesto lançado pela Irmandade Muçulmana, formação política a que pertence o ex-presidente. 

É claro que já houve confrontos entre partidários da Irmandade e a polícia, algo tanto mais inevitável quanto a situação política egípcia continua conturbada e com contornos particularmente nebulosos. Embora o golpe militar dirigido pelo general Al Sisi tenha aparentemente delegado o exercício do poder político no presidente do Supremo Tribunal, Adly Mansour, continua por concretizar a formação do novo governo, iniciativa que foi confiada a Hazem Al Beblawi, fundador do Partido Social Democrata egípcio e ex-ministro das finanças com profundas ligações ao sector financeiro (o que no jargão ocidental se poderia apelidar dum tecnocrata).

A rapidez com que o exército interveio na crise aberta pela contestação a um presidente eleito mas julgado por largos sectores da opinião pública egípcia como demasiado autoritário e pró-islâmico, além de revelador do peso que a estrutura ainda mantém no panorama político, pode ser objecto duma interpretação diversa da que a imprensa ocidental prontamente lhe atribuiu, tanto mais que que são já evidentes as divisões entre as forças políticas no processo de formação do novo governo, anunciando-se mesmo que a «Oposição laica do Egipto rejeita plano do Presidente interino», enquanto a «Irmandade rejeita agenda eleitoral de Exército».

A intervenção militar e a deposição de Morsi está já a produzir algumas ondas de choque nos países vizinhos e em especial num enfraquecimento da influência regional da Irmandade (organização que dispõe de ramificações nos países árabes e nas regiões do Maghreb e do Sahel), fenómeno que se faz sentir nos últimos tempos e que poderá até estar relacionado com a recente notícia de que o «Emir do Qatar abdica a favor do filho», ou não fosse este estado árabe o principal financiador da Irmandade.

Numa região onde a tradição de influência e de preponderância dos aparelhos militares é um dado histórico e num país onde, na sequência dos Acordos de Camp David (patrocinado por Jimmy Carter, presidente norte-americano, pôs termo ao conflito entre Israel e o Egipto e foi assinado em 1978 pelo primeiro-ministro israelita Menachem Begin e pelo presidente egípcio Anwar Al Sadat), a dependência da estrutura militar face à sua congénere norte-americana é amplamente conhecida, tudo contribui para que o golpe ganhe rapidamente contornos dum regresso ao passado, pondo em sérias dúvidas o desenvolvimento dum processo de normalização democrática que poderia ter outra expressão caso a substituição de Mohamed Morsi tivesse resultado de mecanismos democráticos.


Uma possível aquiescência da administração norte-americana ao golpe de Al Sisi foi contemplada desde o início – traduzida em notícias como a que os «EUA mantêm planos para entregar F-16 ao Egipto» que a informação que os «Estados Unidos vão reavaliar ajuda militar ao Egipto» não contraria, pois este é um mecanismo habitual na sequência de qualquer golpe de estado , parece confirmar e reforçar a necessidade de observar a situação egípcia sob uma perspectiva bem menos entusiástica. É que ao contrário do movimento de contestação a Moahmed Morsi, perfeitamente aceitável no quadro democrático em que decorreu a sua eleição, a intervenção militar parece bem pouco sustentável e passível até de ser comparada à rejeição ocidental à eleição do movimento palestiniano Hamas (próximo da Irmandade Muçulmana).

Ao que tudo indica – e ao contrário do que habitualmente se lê nos jornais –, agora no Egipto, como em 2006 na Palestina, o Ocidente volta a não hesitar em preterir a democracia e o seu exercício a outros interesses pouco confessáveis.

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