Depois de ao
longo da semana terem abundado notícias sobre as reacções políticas e
financeiras ao anúncio do resgate espanhol, como a de que os «Custos
disparam em leilão de obrigações em Itália», e num fim-de-semana em que
todas as atenções europeias vão estar centradas nas eleições gregas poderá
parecer estranho escolher como tema a situação na Síria, mas se recordarmos que
na última reunião de
ministros do Interior da União Europeia foi por estes decidido a aplicação de
novas regras para a reposição temporária de fronteiras (ver
aqui notícia sobre o assunto) e que uma das justificações foi a “frágil”
fronteira entre a Grécia e a Turquia (país que faz fronteira directa com a
conturbada Síria, talvez a atenção se justifique.
Tanto mais que
nos últimos dias tem-se assistido a um constante desenrolar de notícias,
comentários e declarações sobre uma situação que a imprensa ocidental não
hesita em classificar como sanguinária, não havendo mesmo jornal que se preze
que não inclua referências condenatórias à actuação do regime de Bashar
Al-Assad, até quando o seu conteúdo é sobejamente controverso, como sucedeu no
caso dum massacre atribuído ao exército por terem sido utilizadas armas pesadas
quando no final são encontrados corpos com sinais de terem sido abatidos por
armas ligeiras, ou quando se anuncia que ao lado dos opositores alinham
operacionais da terrorista e perigosíssima Al-Qaeda.
Que as
populações sírias sofrem os efeitos duma luta pelo poder, é inegável, mas
talvez a verdadeira pergunta a fazer seja: quem está a comandar à distância
essa luta?
E a resposta,
pese embora a complicada situação política e social Síria, país
maioritariamente sunita que há muito é dirigido por uma minoria alauita, deve
ser encontrada no delicado equilíbrio geoestratégico duma região
permanentemente escaldante como a do Médio Oriente. País fronteiro do Iraque,
envolvido numa disputa com Israel pela região charneira dos Montes Golan[1]
e apoiado pelo regime xiita iraniano, não será de estranhar que registe poucas,
ou nenhumas, simpatias no Ocidente e talvez ainda menores juntos dos regimes
wahabitas da Arábia Saudita, Kuwait e Qatar; mais difícil de explicar será o
facto da generalidade dos meios de comunicação ocidental insistir na repetição
da tese da diabolização do regime alauita enquanto silencia informação do teor
da divulgada neste
artigo da FOREIGN POLICY[2],
assinado por James P. Rubin[3].
No artigo
intitulado, «A verdadeira razão para intervir na Síria», James P. Rubin aponta para
o interesse na desestabilização da influência iraniana na região, cortando-lhe
nomeadamente o acesso ao Mediterrâneo, e na redução do apoio do Irão ao
Hezbollah (o movimento libanês pró-xiita), estratégia na qual os EUA seriam
apoiados pela vizinha Turquia e, claro, pelo importante aliado Israel, cujo
recém-empossado vice-primeiro-ministro, Shaoul Mofaz, deixou aos microfones da
radio do Exército israelita a clara mensagem de que «Israel
reitera pedido de intervenção externa na Síria para travar “genocídio”».
Outros
analistas, como é o caso do canadiano Michel Chossudovsky, apontam mesmo como
principal objectivo a protecção de Israel, enquanto lembram que a sucessão de
acontecimentos ocorridos na Síria e a cobertura mediática ocidental recordam em
muitos pormenores antigos planos gizados pela CIA para a desestabilização da
América Latina.
Os dois pontos de vista,
antagónicos na medida em que um é produzido por alguém do interior do sistema
norte-americano enquanto o outro é oriundo do sector mais crítico para a
estratégia unipolar norte-americana, acabam por coincidir numa questão central:
os acontecimentos na Síria não passam duma manobra no contexto muito mais vasto
da política de controlo e submissão do Médio Oriente, que, segundo Amin Hoteit – general libanês na resrva – a
atestar pela notícia do teste dum «Protótipo de novo míssil
balístico lançado do cosmódromo de
Plesetsk» já estará a envolver a Rússia e a OCS (Organização
de Cooperação de Shangai, que é o equivalente oriental da NATO) na crise.
Embora isso não elimine
nem minore o sofrimento dos sírios, nem por isso deixa de constituir um
importante aviso quando diariamente nos bombardeiam com imagens da região.
[1]
Os Montes Golan são conhecidos pela sua importância militar mas igualmente pelo
facto de serem um dos mais importantes reservatórios aquíferos da região (ver o
“post” «CONTRIBUTOS
E OBSTÁCULOS PARA A PAZ II».
[2]
A FOREIGN POLICY é uma publicação
norte-americana orientada para problemas de política internacional que contou
entre os seus fundadores com Samuel P Huntington, o ideólogo neoliberal
responsável pela introdução do conceito do choque das civilações.
[3]
James P Rubin, conselheiro e jornalista, formado na Universidade de Columbia
onde foi
aluno de Zalmay Kalilzad (embaixador norte americano no Afeganistão durante a
administração de George W Bush) e antigo membro da administração de Bill
Clinton é actualmente o editor executivo da Bloomberg News.
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