terça-feira, 15 de maio de 2012

UTOPIAS?


A par com a candente questão da escolha do modelo económico para enfrentar a crise que grassa pela UE, surgiram no final da passada semana e em consequência da publicação das Previsões Económicas da Primavera, a previsão de que a «Economia portuguesa contrai 3,3% e desemprego dispara para 15,5%» acompanhada da notícia de que os «Salários dos portugueses caem mais de 12% entre 2011 e 2013», numa clara confirmação da grave situação a que o país e os seus cidadãos estão a ser conduzidos. 


A questão do desemprego ocupa obviamente a prioridade entre as preocupações dos portugueses, especialmente quando a percentagem de desemprego entre a população com menos de 25 anos se situa acima dos 36% (valor que a confirmar-se a declaração da OCDE de que «Mais de metade dos jovens desempregados não aparecem nas estatísticas oficiais» estará subavaliado) e, a atestar pelo discurso dos governantes, parece sem solução. Apelar à emigração dos mais jovens é, além de economicamente indesejável, socialmente inqualificável, para mais num país que já apresenta uma pirâmide etária desajustada.
Mas o mais grave deste problema é que a elite dirigente parece completamente alheada duma realidade que instâncias internacionais reconhecem e denunciam, a ponto de se afirmar que a «OIT teme que desemprego jovem se transforme num problema estrutural», insistindo no imobilismo e na cegueira do princípio de que o «Desemprego não tem que ser “negativo” e “pode ser uma oportunidade”». Esta afirmação poderia ser entendida numa conjuntura onde os níveis de desemprego não batessem recordes mensais e onde existisse um mínimo de perspectivas de melhoria, porém, no caso vertente o que se perspectiva aos desempregados nacionais (jovens e menos jovens) são miragens de trabalho remunerado a salários cada vez menores ou a de emigração sem garantias nem dignidade.

Na prática aquilo que os ideólogos neoliberais oferecem à massa de trabalhadores são perspectivas de piores condições de vida e de menor dignidade, enquanto asseguram para as grandes empresas exércitos crescentes de desempregados desesperados e disponíveis para aceitar qualquer remuneração ou até a total ausência de garantias relativas ao contrato que irão assinar. O que vemos no dia-a-dia são os lucros das grandes empresas, mais ou menos monopolistas, a aumentarem na mesma proporção em que diminuem os salários que pagam, os encargos fiscais a que são obrigados e a qualidade de vida que proporcionam à generalidade dos cidadãos, tudo isto enquanto ouvimos piedosas afirmações como o de que o próprio primeiro-ministro «Passos Coelho reconhece “nível de carga fiscal insuportável”».

Insuportável mesmo é continuarmos impávidos a ouvir discursos deste jaez ou a lermos artigos de opinião sobre a necessidade de «MUDAR DE VIDA» e que o autor (César das Neves) sabiamente resume assim: «Largas centenas de milhar de trabalhadores terão de mudar de vida, porque os seus empregos artificiais nunca vão voltar, mesmo que o crescimento retome. Milhares de empresas têm de fechar ou mudar de sector porque o negócio acabou. Importante percentagem da sociedade terá que encontrar actividades realmente úteis. Portugal sofre uma das crises mais dolorosas e exigentes: a forçada reestruturação de quase vinte anos de distorção produtiva», isto depois de forte da sua memória e do seu passado como consultor económico dos governos de Cavaco Silva (1985-1995), não ter hesitado em abrir a sua reflexão afiançando que «Portugal está hoje muito melhor que há 30 anos. Então era um país pobre e isolado; hoje tem o dobro do nível de vida e forte ligação com parceiros, incluindo moeda comum», para, branqueada a década do consulado cavaquista, partir para a evolução da dívida externa (juntando, e muito bem, a pública e a privada) e para a conclusão que «muito pior que a dimensão do encargo são os enviesamentos que o delírio impôs na estrutura produtiva. Nos anos de loucura muita gente trabalhou em actividades rentáveis apenas por endividamento; muitas empresas faziam negócios porque os clientes se empenhavam. Nisto os gastos do sector público destacam-se, mas havia muito mais» que ficou por referir, como seja o facto de ditar do período do consulado cavaquista a aposta no modelo de desenvolvimento do betão, claramente demonstrado nos quase 3.000 km de auto-estradas entretanto construídas (incluindo três percursos alternativos entre Lisboa e Porto), nos 10 estádios de futebol construídos para o Euro 2004 ou no sumptuoso edifício que albergou a primeira presidência portuguesa da UE (o célebre Centro Cultural de Belém que hoje alberga e conserva uma colecção de arte do investidor Joe Berardo).

A forma capciosa como descreve o que designa por necessidades de ajustamento (que são nem mais nem menos que a correcção do modelo de desenvolvimento que apadrinhou) é em tudo idêntica à que usa para referir os «empregos artificiais» e aconselhar a reconversão para «actividades realmente úteis» (que, salvo o expresso recurso à emigração, solução que não hesita em classificar como «...expediente que pode ser triste e perigoso, mas revela espírito inconformado e realizador e tem excelentes propriedades económicas», nunca especifica quais serão), tanto mais que se «Portugal não precisa de crescer, mas de corrigir a estrutura produtiva para permitir um desenvolvimento sustentável…» e se «…em 1978 e 1983 […] Programas de reforma que demoravam muitos anos noutras latitudes aqui funcionaram num punhado de meses» custa a entender a ênfase que coloca na urgência em «esquecer tolices», depois de louvar que «…a serenidade do povo perante a austeridade, incomparável com qualquer parceiro e tão irritante para os extremistas, é trunfo indispensável para a recuperação».

A análise de César das Neves, não passa dum claro apoio ao discurso oficial e um convite a que assistamos pacatamente à regular destruição das relações políticas e sociais que deveriam continuar a presidir à formulação das políticas públicas. O texto não se destina apenas a apoiar aqueles que foram eleitos para dirigir a coisa pública, ou para representarem os eleitores em órgãos como a Assembleia da República, antes constitui um alerta contra todos os que ainda não desistiram de lutar por um futuro… não o futuro desejado por César das Neves e pelos poderes instalados e onde predominem os grandes lucros duma minoria, invariavelmente alcançados às custas do silêncio e do imobilismo dos que através da sua substituição por meios automáticos vão sendo sucessivamente sacrificados em nome duma produtividade de cujos benefícios são arredados.

Insuportável mesmo é continuarmos impávidos a ouvir discursos deste jaez ou como só de vez em quando lemos alguns alertas, de que é exemplo a afirmação que «A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!» da autoria do filósofo holandês Rob Riemen; acreditem ou não, as utopias imaginadas por Aldos Huxley ou George Orwell estão bem mais próximo do que podem pensar. Basta permanecermos silenciosos e aquiescentes para elas nos esmagarem!

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