A par com a candente questão da escolha
do modelo económico para enfrentar a crise que grassa pela UE, surgiram no
final da passada semana e em consequência da publicação das Previsões
Económicas da Primavera, a previsão de que a «Economia
portuguesa contrai 3,3% e desemprego dispara para 15,5%» acompanhada da
notícia de que os «Salários
dos portugueses caem mais de 12% entre 2011 e 2013», numa clara confirmação
da grave situação a que o país e os seus cidadãos estão a ser conduzidos.
A questão do desemprego ocupa obviamente
a prioridade entre as preocupações dos portugueses, especialmente quando a
percentagem de desemprego entre a população com menos de 25 anos se situa acima
dos 36% (valor que a confirmar-se a declaração da OCDE de que «Mais
de metade dos jovens desempregados não aparecem nas estatísticas oficiais»
estará subavaliado) e, a atestar pelo discurso dos governantes, parece sem
solução. Apelar à emigração dos mais jovens é, além de economicamente
indesejável, socialmente inqualificável, para mais num país que já apresenta
uma pirâmide etária desajustada.
Mas o mais grave deste problema é que a
elite dirigente parece completamente alheada duma realidade que instâncias
internacionais reconhecem e denunciam, a ponto de se afirmar que a «OIT
teme que desemprego jovem se transforme num problema estrutural», insistindo
no imobilismo e na cegueira do princípio de que o «Desemprego não tem
que ser “negativo” e “pode ser uma oportunidade”». Esta afirmação poderia
ser entendida numa conjuntura onde os níveis de desemprego não batessem
recordes mensais e onde existisse um mínimo de perspectivas de melhoria, porém,
no caso vertente o que se perspectiva aos desempregados nacionais (jovens e
menos jovens) são miragens de trabalho remunerado a salários cada vez menores
ou a de emigração sem garantias nem dignidade.
Na prática aquilo que os ideólogos neoliberais
oferecem à massa de trabalhadores são perspectivas de piores condições de vida
e de menor dignidade, enquanto asseguram para as grandes empresas exércitos
crescentes de desempregados desesperados e disponíveis para aceitar qualquer
remuneração ou até a total ausência de garantias relativas ao contrato que irão
assinar. O que vemos no dia-a-dia são os lucros das grandes empresas, mais ou
menos monopolistas, a aumentarem na mesma proporção em que diminuem os salários
que pagam, os encargos fiscais a que são obrigados e a qualidade de vida que
proporcionam à generalidade dos cidadãos, tudo isto enquanto ouvimos piedosas
afirmações como o de que o próprio primeiro-ministro «Passos
Coelho reconhece “nível de carga fiscal insuportável”».
Insuportável mesmo é continuarmos
impávidos a ouvir discursos deste jaez ou a lermos artigos de opinião sobre a
necessidade de «MUDAR
DE VIDA» e que o autor (César das Neves) sabiamente resume assim: «Largas centenas de milhar de trabalhadores
terão de mudar de vida, porque os seus empregos artificiais nunca vão voltar,
mesmo que o crescimento retome. Milhares de empresas têm de fechar ou mudar de
sector porque o negócio acabou. Importante percentagem da sociedade terá que
encontrar actividades realmente úteis. Portugal sofre uma das crises mais
dolorosas e exigentes: a forçada reestruturação de quase vinte anos de
distorção produtiva», isto depois de forte da sua memória e do seu
passado como consultor económico dos governos de Cavaco Silva (1985-1995), não ter
hesitado em abrir a sua reflexão afiançando que «Portugal
está hoje muito melhor que há 30 anos. Então era um país pobre e isolado; hoje
tem o dobro do nível de vida e forte ligação com parceiros, incluindo moeda
comum», para, branqueada a década do consulado cavaquista, partir
para a evolução da dívida externa (juntando, e muito bem, a pública e a
privada) e para a conclusão que «…muito
pior que a dimensão do encargo são os enviesamentos que o delírio impôs na
estrutura produtiva. Nos anos de loucura muita gente trabalhou em actividades
rentáveis apenas por endividamento; muitas empresas faziam negócios porque os
clientes se empenhavam. Nisto os gastos do sector público destacam-se, mas
havia muito mais» que ficou por referir, como seja o facto de ditar do
período do consulado cavaquista a aposta no modelo de desenvolvimento do betão,
claramente demonstrado nos quase 3.000 km de auto-estradas entretanto
construídas (incluindo três percursos alternativos entre Lisboa e Porto), nos
10 estádios de futebol construídos para o Euro 2004 ou no sumptuoso edifício
que albergou a primeira presidência portuguesa da UE (o célebre Centro Cultural
de Belém que hoje alberga e conserva uma colecção de arte do investidor Joe
Berardo).
A forma capciosa como descreve o que
designa por necessidades de ajustamento (que são nem mais nem menos que a
correcção do modelo de desenvolvimento que apadrinhou) é em tudo idêntica à que
usa para referir os «empregos artificiais»
e aconselhar a reconversão para «actividades
realmente úteis» (que, salvo o expresso recurso à emigração, solução que
não hesita em classificar como «...expediente
que pode ser triste e perigoso, mas revela espírito inconformado e realizador e
tem excelentes propriedades económicas», nunca especifica quais
serão), tanto mais que se «Portugal não precisa
de crescer, mas de corrigir a estrutura produtiva para permitir um
desenvolvimento sustentável…» e se «…em
1978 e 1983 […] Programas de reforma
que demoravam muitos anos noutras latitudes aqui funcionaram num punhado de
meses» custa a entender a ênfase que coloca na urgência em «esquecer tolices», depois de louvar que
«…a serenidade do povo perante a
austeridade, incomparável com qualquer parceiro e tão irritante para os
extremistas, é trunfo indispensável para a recuperação».
A análise de César das Neves, não passa
dum claro apoio ao discurso oficial e um convite a que assistamos pacatamente à
regular destruição das relações políticas e sociais que deveriam continuar a
presidir à formulação das políticas públicas. O texto não se destina apenas a
apoiar aqueles que foram eleitos para dirigir a coisa pública, ou para
representarem os eleitores em órgãos como a Assembleia da República, antes constitui
um alerta contra todos os que ainda não desistiram de lutar por um futuro… não
o futuro desejado por César das Neves e pelos poderes instalados e onde
predominem os grandes lucros duma minoria, invariavelmente alcançados às custas
do silêncio e do imobilismo dos que através da sua substituição por meios
automáticos vão sendo sucessivamente sacrificados em nome duma produtividade de
cujos benefícios são arredados.
Insuportável mesmo é continuarmos
impávidos a ouvir discursos deste jaez ou como só de vez em quando lemos alguns
alertas, de que é exemplo a afirmação que «A
classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!» da
autoria do filósofo holandês Rob Riemen; acreditem ou não, as utopias
imaginadas por Aldos Huxley ou George Orwell estão bem mais próximo do que
podem pensar. Basta permanecermos silenciosos e aquiescentes para elas nos
esmagarem!
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