Salvo uma ou
outra notícia dando conta do fim duma greve de fome realizada por prisioneiros
palestinianos detidos em prisões israelitas, pouco ou nada se soube sobre
aquele acontecimento, as razões que o terão motivado ou até sobre a sua maior
ou menor justificação.
Tal como em
tantas outras situações, o que acontece no interior das fronteiras de Israel e
que duma forma ou doutra possa melindrar a imagem pré-fabricada daquele Estado
é invariavelmente omitido ou, se impossível de esconder, tratado com o cuidado
e a delicadeza indispensáveis ao manuseio dos mais frágeis e delicados dos
materiais.
Na tentativa
de colmatar aquela falha de informação aqui deixo a minha tradução dum
excelente texto de Alain Gresh[1]
publicado na página
on line do LE MONDE DIPLOMATIQUE, que sem esgotar o tema apresenta (do meu ponto de
vista) a grande virtualidade de oferecer uma visão não panfletária mas diversa
da que habitualmente os meios de informação ocidental disponibilizam:
Palestina, estes ignorados prisioneiros em
greve de fome
por Alain Gresh
Imagine por um
momento dois mil prisioneiros políticos na China envolvidos numa greve de fome durante
várias semanas, ou outros dois mil, mobilizados num movimento similar na
Rússia. Há pouca dúvida de que a TV e a Rádio, por isso, sempre pronta para noticiar
sobre as violações dos direitos humanos em países distantes, abririam com essa
notícia os seus boletins informativos, indignar-se-iam com esta violação de
direitos básicos, interpelariam as nossas autoridades para uma resposta e apelariam
mesmo à sua intervenção para impor sanções a Pequim ou Moscovo.
Existem realmente dois
mil prisioneiros políticos estão em greve de fome, mas na Palestina. E a informação e não parece interessar muita gente. Mas nós sabemos há muito tempo que os palestinos, os
árabes, os muçulmanos não são realmente seres
humanos como todos os outros.
Vamos primeiro aos factos, relatados pelo correspondente do Le Monde («Le mouvement de grève de la faim des prisonniers
palestiniens en Israël s’étendrait à 2.000 détenus», Lemonde.fr, 6
Mai):
«Israel está a ter dificuldade crescente em
controlar o movimento da greve de fome de prisioneiros palestinianos, que
continua a expandir-se. Iniciada a 17 de Abril em protesto contra a prática da
detenção administrativa (que mantém um suspeito em prisão sem julgamento, por
um período de seis meses renováveis), esta acção reunirá hoje cerca de 2.000
presos, segundo Addameer, a associação Palestiniana dos direitos humanos
dos prisioneiros»(...)
«Pelo menos dois prisioneiros estão em estado
crítico: Diab Bilal, de 27 anos, natural de Jenin, e Thaer Halahla, 33 anos, de
Hebron (ambos membros da Jihad Islâmica), começaram a sua greve de fome a 29 de
Fevereiro. Após sessenta e seis dias sem comida, entraram no que os médicos
chamam de "uma fase de sobrevivência aleatória." Os dois homens
apareceram, quinta-feira 03 de Maio, numa cadeira de rodas diante do Supremo
Tribunal de Israel, mas este adiou a sua decisão sobre uma possível libertação
para uma data posterior».
«Pelo
menos seis outros prisioneiros estão em uma condição considerada alarmante. Este movimento de greve espalhou-se para os principais
centros de detenção em Israel, e vários líderes da resistência palestina, como
Ahmad Saadat, líder da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), juntou-se-lhe.
Embora as manifestações de solidariedade se
multipliquem em várias cidades palestinas, o governo do primeiro-ministro
israelita Benjamin Netanyahu hesita sobre qual o comportamento a adoptar».
Esta greve levanta
a questão da detenção administrativa (ou seja, sem provas e sem julgamento),
uma prática herdada do mandato britânico, quando Londres lutava (1944-1948)
contra o "terrorismo sionista".
Como escrevi em De quoi la Palestine
est-elle le nom?, essas leis de emergência foram criticadas por muitos juristas,
incluindo o Dr. Moshe Dunkelblum, que mais tarde ocuparia um lugar no Supremo
Tribunal de Israel. No dia 07 de
Fevereiro de 1946, declarou: "Essas
directrizes são uma ameaça constante contra os cidadãos. Nós, advogados, vemos nelas uma flagrante violação dos
princípios fundamentais da legalidade, justiça e disciplina. Elas
legalizam a mais perfeita das arbitrariedades das autoridades administrativas e
militares. (...) Elas privam os cidadãos dos seus direitos e dão às autoridades poderes
ilimitados." Mas uma vez chegados ao poder, os sionistas esqueceram essa
crítica e voltaram essas leis contra os árabes.
O Supremo Tribunal de
Israel, que alguns apresentam como o garante da democracia nesse país, negou
provimento ao recurso de dois prisioneiros administrativos em greve de fome há
dois meses («Court rejects petition
by Palestinian hunger strikers against detention», Haaretz, 8 Maio 2012).
Com toda a hipocrisia, observou que a prática da detenção administrativa era
"uma aberração jurídica" pelo
que devia ser usada "o mínimo
possível", mas o apelo dos presos foi rejeitado. Houve um tempo em que
Israel permitiu oficialmente a "pressão
física moderada" contra palestinos detidos: um pouco de tortura, não
muito... Uma decisão que este Supremo Tribunal "humanista" apoiou até
1999 (estava-se, à época, em plenas "negociações de paz" entre Israel
e a OLP!).
A greve dos
prisioneiros palestinos foi divulgada pelas declarações de Richard Falk, relator
especial da ONU para os direitos humanos nos territórios palestinos ocupados,
que se afirmou «enojado com as contínuas
violações dos humanos homem nas prisões israelitas. Desde
1967, 750.000 palestinos, incluindo 23.000 mulheres e 25.000 crianças, foram
detidas em prisões israelitas, o que representa quase 20% do total da população
palestina dos territórios ocupados» (citado em Armin Arefi,
«Israël: la dernière arme
des prisonniers palestiniens»,
AFPs).
Conclusões: o silêncio na maioria
dos meios de comunicação, sem pressão sobre o governo israelita, nenhuma
indignação moral de todos esses grandes intelectuais... A Terra gira e alguns surpreendem-se que os discursos europeus sobre
democracia e direitos humanos despertem especial zombaria no mundo árabe.
[1]
Alain Gresh é um jornalista francês de ascendência egípcia (filho de Henri
Curiel, activista assassinado em 1978 em Paris em circunstâncias ainda por esclarecer),
redactor do LE MONDE DIPLOMATIQUE e autor de diversas obras sobre o Médio
Oriente, o Maghreb e o islamismo.
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