domingo, 4 de novembro de 2007

ATENÇÃO AO QUE SE LÊ NOS JORNAIS

Na semana que agora terminou voltou a ser notícia um novo recorde do preço do petróleo. O DIÁRIO ECONÓMICO informava num dia que o petróleo bate novos recordes em Londres e Nova Iorque e no dia seguinte que o choque petrolífero será a sério em 2008, fundamentando esta afirmação no pressuposto de que «...o euro deixará de proteger a economia da subida imparável dos preços do petróleo (importado) e do qual Portugal é totalmente dependente».

Por curiosidade, no mesmo dia o LE MONDE escrevia que o petróleo e o euro continuam a subir e que os mercados anteviam já que o FED voltasse a cortar a sua taxa de referência na sua reunião de final do mês (o que se confirmou com a redução de 4,75% para 4,5%), que o mesmo é dizer que será de esperar que o dólar continue a perder valor, ou pelo menos não o recupere rapidamente, face ao euro e às principais moedas mundiais.

O que deve pensar quem tenha lido estas notícias?

Será que vamos mesmo enfrentar um ciclo de subida generalizada dos preços?

Para facilitar a resposta, separemos as duas questões: o comentário das notícias e o da situação real.

Fazendo fé no LE MONDE o que escreveu Luís Reis Ribeiro no DIÁRIO ECONÓMICO deixa de ser um exercício de análise económica para passar a ser uma mera manobra de desinformação. Que os preços aumentarão em Portugal no próximo ano não me suscita qualquer dúvida (bem como o facto de dependermos totalmente do petróleo importado), já as razões para esse aumento de preços serão diversas da enunciada pelo articulista.

Repetindo uma expressão que usei no meu “post” anterior, a tese da culpabilização do petróleo pela subida generalizada dos preços constitui apenas mais uma barbaridade pseudo económica.

Duvidam?

Então vejamos qual tem sido a evolução do preço do petróleo.

Segundo dados disponibilizados na página oficial da OPEP na Internet, os preços médios anuais do barril de petróleo pago no mercado internacional, têm sido os seguintes desde 1994:

Este gráfico que traduz a evolução do preço médio anual “spot[1] de um cabaz de países produtores deve ser comparado com a evolução das cotações do petróleo nos mercados a prazo (por exemplo o NYSE):
no qual se verificam os tais preços “históricos” que são objecto de notícia nos meios de comunicação, mas de modo algum reflectem o preço a que o barril é realmente transaccionado.

Para o confirmar vejam os dois gráficos sobrepostos[2]:

e notem que os preços médios anuais são tanto mais divergentes com as cotações a prazo quanto maiores forem as respectivas oscilações[3].

Se isto parecer pouco claro, note-se que sendo inegável a tendência de subida do preço do crude, particularmente visível após a invasão americana do Iraque, não é menos verdade que o preço a que efectivamente as gasolineiras adquirem a matéria prima para refinação e transformação se encontra longe dos valores normalmente referidos nas notícias, porque estas respeitam a preços especulativos praticados num mercado a prazo que pouco ou nada têm a ver com os efectivamente praticados no mercado à vista.

Clarificada a questão da interpretação das notícias com que diariamente somos bombardeados, vejamos o que será de esperar no futuro próximo.

Se para os mais informados, ou mais pessimistas, não restarão muitas dúvidas de que o próximo ano trará novo aumento generalizado dos preços, tanto mais que os últimos números adiantados para a inflação em 2007 andam entre os 2,3% e os 2,4% quando em média os salários no início do ano sofreram uma actualização inferior a 2%, resta perceber qual o peso representado pelos combustíveis.

Sendo facilmente entendível a importância que tem para os orçamentos das famílias a variação do preço dos combustíveis, agora que a globalização dos mercados determinou um aumento exponencial do volume de transporte das mercadorias cuja produção foi deslocalizada para regiões de mão-de-obra mais barata ou dotadas de melhores condições naturais, é preciso conhecer melhor como é formado aquele preço. Contrariando a tendência dominante entre nós de atribuir o aumento do preço dos combustíveis à componente fiscal, Eugénio Rosa chamou oportunamente a atenção num recente artigo sobre a explicação para o crescimento dos lucros da GALP[4], demonstrando que não é apenas o agravamento fiscal o responsável pelos aumentos mas principalmente o aumento do lucro daquela empresa oligopolista[5]. Na comparação que realizou para os quinze países da UE ressaltam algumas conclusões interessantes:

nomeadamente as variações registadas nos preços sem impostos e nas cargas fiscais que revelam que Portugal integra o grupo de países que apresentam preço antes de impostos, preço de venda e imposto superiores à média, que a Grécia (economia em muito comparável à nossa) é o país que apresenta o segundo preço sem imposto mais elevado mas graças ao menor peso da carga fiscal é o que apresenta o preço de venda mais baixo do conjunto observado e que a Inglaterra beneficiando de um dos preços antes de impostos mais reduzido (para algo deverá servir a sua posição de ex-colonizador no Médio Oriente e o seu pronto alinhamento com a política norte-americana) é o que aplica uma maior carga fiscal.

Vistos há muitos anos como meio fácil de receita fiscal, os combustíveis têm sofrido o efeito da subida do preço do crude (petróleo bruto à saída dos poços de extracção), mas principalmente o aumento da carga fiscal e do ganho dos intermediários em todo o processo de refinação (transformação do crude nos múltiplos derivados dele obtidos) e de distribuição, não sendo por isso de estranhar o seu importante contributo para o aumento generalizado dos preços o que reforça a ideia transmitida pelo articulista do DIÁRIO ECONÓMICO de que em 2008 tudo será mais caro!

Mas o que ninguém deve esquecer é que os aumentos que o próximo ano nos trará não serão consequência principal do aumento do petróleo, tanto mais que o seu preço medido em euros está inferior ao registado em 2006 e não é previsível que o dólar (moeda em que ainda é cotado o crude) venha a valorizar-se significativamente, mas resultado da incapacidade de sucessivos governos para prosseguirem políticas que não subordinem o bem estar das populações à exclusiva necessidade de contenção do deficit nem pactuem com o oportunismo daqueles que tentam esconder o acréscimo dos seus lucros por detrás da cortina do preço do petróleo.
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[1] Designa-se por preço “spot” ou “á vista” aquele que é efectivamente pago no acto de transacção de bens e serviços por oposição ao preço “a prazo”, ou seja aquele que alguém pode vir a pagar.
[2] Esta sobreposição é um “trabalho caseiro” pelo que os resultados não podem ser entendidos como rigorosos, mas é suficiente para visualizar a ideia que pretendo transmitir.
[3] É este fenómeno que se designa por volatilidade e traduz, nem mais nem menos, que a incerteza que se pensa existir sobre o produto em causa; no caso concreto do petróleo são normalmente aceites como factores influentes sobre a volatilidade os possíveis cenários de conflito nas zonas de produção, as tempestades (por causa das plataformas “offshore”) e as flutuações do dólar (moeda em que tradicionalmente se denominam os contratos).
[4] Ver o artigo Porque os lucros da GALP aumentaram 71% no 1º semestre de 2007?.
[5] Empresa que pratica, conjuntamente com outra ou outras do mesmo sector de actividade, uma forma de domínio e concertação sobre o mercado, seja através da criação de barreiras à entrada de novos concorrentes seja na concertação dos preços de venda dos seus produtos. Esta prática de concertação de preços, a forma mais simples de oligopólio, também se designa por cartel; formas mais avançadas de oligopólio são o trust - quando as empresas abdicam da sua autonomia para constituírem uma única organização empresarial - e o holding - quando criam uma nova entidade para gerir o conjunto das participações sociais.

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