quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DA POUPANÇA

Assinala-se hoje mais uma efeméride: o Dia Mundial da Poupança.

Não é pois de estranhar que aproveite aqui o ensejo para retomar o estafado tema da retracção da poupança que governantes e altos responsáveis pelo sistema financeiro nacional há vários anos vêm apregoando. Ao que dizem aquelas personalidades os portugueses, e em especial as camadas etárias mais jovens, estão a perder o saudável hábito de poupar; por outras palavras as novas gerações comportam-se como estouvados consumidores e abandonaram a salutar prática de amealhar como mecanismo de prevenção e de segurança para o futuro.

Regularmente ouvimos referir que o endividamento das famílias é já superior ao seu rendimento disponível, afirmação que, há semelhança de muitas outras barbaridades pseudo económicas que se afirmam, merece adequada reflexão.

Que as famílias portuguesas poupem hoje menos que há 30 ou 50 anos atrás é perfeitamente normal atendendo à evolução registada, quer ao nível interno quer ao nível externo, num período de tempo em que o país passou de uma situação de isolamento político e económico para outra de grande abertura aos mercados internacionais. Abandonámos um regime político enfeudado a valores económicos bulionistas[1] para passarmos a integrar um dos maiores espaços económicos mundiais – a União Europeia – pelo que é perfeitamente natural que as poupanças antigamente originadas pela simples ausência de produtos e mercados se tenham convertido em melhorias da qualidade de vida das populações.

Porém este fenómeno não explica tudo, há que lhe associar outros como o despertar de uma maior propensão ao consumo (meramente induzida pelo mercado e pela publicidade) mas também pela criação de uma nova “necessidade” – a da aquisição de habitação própria. Quando no início do último quartel do século XX os poderes instituídos começaram a incentivar a aquisição de habitação própria como forma das famílias acederem à habitação alguém se interrogou sobre os efeitos que tal opção comportaria?

Outra variável de grande peso na formação da poupança das famílias é o seu rendimento... Assim, não é de estranhar que fenómenos como o da indexação das revisões salariais a indicadores fantasmas, como a inflação esperada, tenham acabado por se traduzir numa constante degradação dos rendimentos reais das famílias que dependem de rendimentos do trabalho e que representam a grande maioria. Esta realidade, bem demonstrada em trabalhos do economista Eugénio Rosa[2], associada a fenómenos de natureza conjuntural, como o da variação das taxas de juro, ajudou a ampliar o efeito que conhecemos.

É evidente que outros factores devem ser tomados em linha de conta quando analisamos fenómenos como o da redução da poupança, não sendo de modo nenhum displicente considerar a massificação dos sistemas de reforma e de assistência na saúde, como co-responsáveis pela modificação dos padrões de poupança e de consumo das gerações mais jovens, sem que tal tenha que ser associado a comportamentos mais irresponsáveis.

Em resumo, o que me parece merecedor de profunda atenção é a banalizada atitude de permanente desresponsabilização dos decisores e responsáveis políticos e pelo escamoteamento de uma realidade económica – a da concentração da riqueza num segmento cada vez menor da população – que nada tem a ver com alterações dos padrões de consumo e poupança, como ingenuamente nos querem fazer crer, mas sim com uma radical alteração do modelo de distribuição da riqueza produzida.
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[1] Defensores de uma teoria económica que avalia a riqueza a partir da quantidade de ouro e outros metais preciosos acumulados; privilegiando a acumulação em detrimento do investimento produtivo. Esta corrente, que conheceu o seu período áureo entre os séculos XV e XVIII, defendia uma versão ainda mais extremista que os mercantilistas por não revelarem qualquer preocupação com a vertente produtiva da economia.
[2] Ver os artigos: A PARCELA DO PIB QUE REVERTE PARA OS TRABALHADORES TEM DIMINUÍDO EM PORTUGAL, O QUE AGRAVA A SUA SITUAÇÃO E AS DESIGUALDADESEM 2006, OS LUCROS DAS 500 MAIORES EMPRESAS AUMENTARAM 66,8% ENQUANTO OS SALÁRIOS DOS TRABALHADORES PORTUGUESES SUBIRAM APENAS 2,4%.

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