sábado, 24 de novembro de 2007

CONTRIBUTOS E OBSTÁCULOS PARA A PAZ - I

O spot da conhecida marca de whisky que assegura que a tradição já não é o que era ainda não deve estar a passar nas televisões norte-americanas, pelo menos a julgar pelo que vai ocorrer naquele país na próxima semana. Cumprindo a tradição a administração americana em vias de abandonar a Casa Branca vai patrocinar nova conferência de paz para o Médio Oriente.

As expectativas de sucesso para a reunião que terá lugar em Annapolis são de tal maneira reduzidas que os próprios promotores nem a designam como uma conferência; ainda assim a equipa liderada por George W Bush não se tem poupado a esforços e a secretária de estado Condoleezza Rice tem-se desdobrado em contactos com os diferentes países da região, sem que isso se tenha traduzido em maiores garantias de sucesso porque não só cada estado coloca as suas próprias pré-condições de participação, como é longo o historial das iniciativas anteriores e sobejamente conhecidas as razões para o respectivo insucesso.

Independentemente de quem estará ou não presente na fotografia final junto de Bush e por mais entusiásticos que possam ser os comentários finais, dificilmente a martirizada região da Palestina e o seu povo poderão vir a beneficiar algo de significativo. Se recordarmos que desde 1967, esta será mais uma “oportunidade” em que directa ou indirectamente se debate e desenha uma solução para o conflito e onde novamente se vai voltar a falar de questões tão velhas como a definição das fronteiras dos estados de Israel e da Palestina, o futuro de Jerusalém e a situação de ocupação israelita, os colonatos judaicos na Cisjordânia e o famigerado “direito de retorno” dos palestinianos escorraçados pela guerra de 1948.

De concreto não existe um único sinal de concertação de posições sobre estes assuntos, tanto mais que recentemente Israel veio juntar uma nova exigência – o reconhecimento como “estado judaico”. Questão polémica para muitos israelitas que não se revêem num estado religioso, é-o ainda mais para os palestinianos porque da sua aceitação resultará uma automática renúncia ao reconhecimento do “direito de retorno”.

Esta estratégia israelita de fazer subir o nível das exigências nas vésperas de mais uma ronda de conversações confirma que tal como em situações passadas estes voltam a um processo negocial cientes de que poderão contar desde a primeira hora com o total apoio dos EUA e que do lado oposto continuam a prevalecer as divergências que lhes têm permitido manter a população palestiniana numa situação de total dependência.

O novo processo negocial que parece iniciar-se, tal como os anteriores, terá o seu sucesso dependente de cinco grandes questões:

1. o historial dos sucessivos fracassos;
2. o estatuto de Jerusalém;
3. a repartição da água;
4. a situação dos refugiados;
5. definição das fronteiras e dos colonatos;

que merecem uma observação mais detalhada.

1 – Breve historial das iniciativas de paz

Em ocasiões anteriores, como os Acordos de Camp David em que Israel e o Egipto assinaram um acordo de paz, ou acordos posteriormente firmados com a Jordânia e a Síria, separadamente, sempre os diferentes estados árabes foram obtendo e realizando concessões a expensas dos palestinianos, não sendo de antever que agora, quando as divisões entre os árabes não são menores, se venham a registar melhores resultados. Um pouco contra a corrente desta lógica verificou-se em 1993 a assinatura do chamado Acordo de Oslo, ao abrigo do qual judeus e palestinianos acordaram na retirada das tropas israelitas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, na criação de uma Autoridade Palestiniana que regularia os aspectos da vida corrente palestiniana e na futura criação de um estado palestiniano seguindo as Resoluções 242 e 338 da ONU.

A sequência destes acordos é já parte da história diária de todos nós. Após as sessões fotográficas em que Yitzhak Rabin e Yasser Arafat apertaram as mãos e o mundo pareceu acreditar na pacificação da Palestina não tardou que movimentos extremistas dos dois lados se apropriassem da agenda política. Em Israel Rabin viria a ser assassinado por um radical religioso enquanto nos territórios ocupados alguns movimentos, nomeadamente o Hamas, se recusaram a aceitar o fim dos confrontos e mantiveram a prática de ataques suicidas contra os israelitas. Com a subida ao poder em Israel de uma facção mais conservadora não tardou que ressurgisse nova onda de violência que rapidamente fez esquecer os possíveis progressos alcançados por Rabin e Arafat.

Mesmo considerando que Arafat pouco mais conseguiu dos israelitas que o papel de polícia dos palestinianos mais extremistas, os Acordos de Oslo podem bem ser considerados o momento em que se esteve mais perto de alguma forma de acordo entre palestinianos e israelitas, porque as tentativas seguintes foram ainda menos conseguidas que aquela.

Em 2000, e na fase final do seu segundo mandato, Bill Clinton reuniu em Camp David Ehud Barak e Yasser Arafat para nova ronda de conversações que, talvez fruto das respectivas conjunturas internas, não teve qualquer resultado prático; idêntico destino teve a proposta apresentada em 2002 pela Arábia Saudita (que uma cimeira árabe retomaria no ano em curso), segundo a qual os países árabes se comprometiam a reconhecer o estado de Israel caso este aceitasse regressar às fronteiras de 1967, reconhecesse a criação de um estado Palestiniano na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e aceitasse a implementação de uma “solução justa” para o problema dos refugiados.

Em 2003, com provável origem na necessidade sentida pela administração americana de amenizar os efeitos da auto proclamada “Guerra contra o Terror” junto das populações árabes, os EUA, a UE, a Rússia e a ONU lançaram um plano que ficou conhecido como o Roteiro para a Paz que previa a constituição de dois estados (um israelita e outro palestiniano) na região e definia o ano de 2005 como data para a sua concretização. Minado por insanáveis contradições, quer entre os membros do quarteto proponente quer entre israelitas e palestinianos, foi mais uma das iniciativas fracassadas.

A este curto historial de iniciativas políticas, mais ou menos bem intencionadas ou mais ou menos “armadilhadas” por forma a assegurar a predominância israelita e americana numa região que o petróleo tornou estratégica, podem ainda acrescentar-se algumas iniciativas mais ou menos privadas, como aquela que foi promovida em finais de 2003 por Yossi Beilin (um dos mentores israelitas dos Acordos de Oslo) e Abed Raboo (ex-ministro palestiniano da informação), que ficou conhecida como o Acordo de Genebra e que previa uma estratégia inversa à do Roteiro para a Paz (construção de um acordo para a consolidação da confiança e da segurança) e outra proposta por Ami Ayalon (ex-membro do Shin Bet, o serviço de segurança interna) e Sari Nusseibeh (antigo representante da OLP em Jerusalém); em comum os dois grupos propunham um acordo baseado na cedência palestiniana do “direito de retorno” em troca da constituição de um estado palestiniano na Cisjordânia.

2 – O estatuto de Jerusalém

Enquanto cidade reclamada pelas três principais religiões monoteístas, Jerusalém ocupa uma posição central no conflito israelo-árabe, constituindo o seu estatuto de capital um ponto de honra para os dois povos.

Sujeita a sucessivas mudanças de mãos ao longo de séculos de história, o lado oriental de Jerusalém foi militarmente ocupado por Israel durante a guerra de 1967 e rapidamente os sucessivos governos israelitas se asseguraram de que os palestinianos não pudessem voltar a ocupar esse espaço. Mesmo em flagrante violação das inúmeras resoluções que a ONU foi aprovando sobre a cidade e sem o reconhecimento internacional, os israelitas asseguram hoje uma posse efectiva dessa parte do território palestiniano, bem como das cercanias da cidade. Em termos práticos os quase 250.000 palestinianos que ainda a habitam constituem uma pequena fracção da sua população inicial, obrigada a fugir, ou mais prosaicamente expulsa, aquando da destruição das suas casas e, mesmo beneficiando de melhores condições que os que vivem na Cisjordânia, consideram-se alvo de discriminação e objecto de regulares perseguições pelos israelitas.

Apesar do cuidado posto durante a fase de ocupação na preservação dos principais lugares religiosos, nem por isso os governos de Israel têm deixado de regularmente recordar a muçulmanos e cristãos que são eles que governa uma cidade que agora apresenta no seu interior partes do famigerado muro de protecção que por iniciativa israelita está a ser erguido entre os dois povos.

(continua)

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