Raras vezes referida durante os períodos de conflito ou de negociações, a água, a para com aterra, tem sido uma das questões fulcrais para o conflito entre israelitas e palestinianos.
Quem já esqueceu que a Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi despoletada por causa da água, concretamente por causa de uma intenção de desviar o Rio Jordão?
Quando é mundialmente reconhecida importância de que se reveste o acesso às fontes de água potável e sabendo-se que o território do Médio Oriente é uma das zonas mais áridas do planeta, não é de estranhar que para um estado, como o israelita, que a par com uma agressiva política de imigração apostou no desenvolvimento de uma indústria agro-comercial que é utilizadora intensiva de água, o controlo dessas fontes seja encarada como uma questão vital e de segurança nacional. Evidência desta realidade é a localização da maior parte dos colonatos judaicos em território palestiniano (sempre próximo de reservas aquíferas cuja exploração será ainda mais facilitada com a construção do famigerado muro de protecção) e a ainda hoje controversa ocupação dos Montes Golan sírios que mais que razões de natureza militar visa assegurar o acesso aos rios Jordão e Yarmouk.
4 – Os refugiados
Sessenta anos após a declaração unilateral de independência de Israel e quarenta após a Guerra dos Seis Dias os palestinianos contam, segundo dados referidos pela ONU cerca de 4,5 milhões de refugiados, constituindo hoje o povo que nessa matéria apresenta a pior situação mundial.
Dispersos em cinco grandes zonas – Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Síria e Líbano – os palestinianos pretendem manter viva a possibilidade de retorno aos territórios de onde fugiram em virtude das guerras israelo-árabes ou, mais rigorosamente, donde foram expulsos pelas tropas israelitas. Esta realidade, condenada pelas leis internacionais, tem sido negada pelos governos israelitas, mas para quem queira observar as práticas nos territórios ocupados onde é normal o tsahal[1] destruir as casas dos palestinianos suspeitos de apoiarem as acções armadas, não se torna difícil admitir que a razão estará maioritariamente do lado palestiniano.
Desde a sua formação que uma das preocupações constantes dos poderes israelitas tem sido a de assegurar uma supremacia da população judaica face ao povo que habitava aquele território. Confrontados com a pressão israelita (e com a sua poderosa máquina militar) os milhões de refugiados palestinianos rapidamente se viram convertido em joguetes dos interesses particulares de cada um dos estados árabes vizinhos onde procuraram refúgio, não sendo por isso de estranhar que para eles a questão do “direito de retorno” se tenha convertido em algo muito mais que simbólico e que melhor que ninguém deveriam ser os próprios judeus, cuja história foi fértil em acontecimentos idênticos, a entenderem.
5 – A definição das fronteiras e dos colonatos
Tão antiga e importante quanto as questões anteriores tem sido a definição das fronteiras entre Israel e os estados árabes vizinhos. Os anos que passaram já viram algumas delas resolvidas, como foi o caso das fronteiras com o Egipto e com a Jordânia (objecto de acordos bilaterais em 1979 e 1994, respectivamente), mas outras permanecem em aberto.
Além dos permanentemente sujeitos a alteração, como é o caso das delimitações da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, as fronteiras com o Líbano e a Síria permanecem questões em aberto.
A questão dos colonatos judaicos implantados em território palestiniano tem sido mais uma das eternas disputas entre árabes e judeus. Fruto de uma activa política de atracção de imigrantes não tem deixado de crescer o número de colonatos, facto que além de manter viva a animosidade ainda constitui uma importante fonte de reivindicação de novos territórios. Normalmente constituídos pelas facções judaicas mais radicais, os colonatos há muito perderam o halo mítico e equalitário dos velhos kibutz[2] tendo-se convertido em meras pontas de lança das políticas mais agressivas contra os palestinianos.
É um facto conhecido que hoje pouco mais de 400 mil judeus ocupam cerca de 40% de uma Cisjordânia onde 2,5 milhões de palestinianos foram relegados para os restantes 60%, que por acaso apresentam os solos mais pobres e mais secos. Após a ocupação militar dos Montes Golan, ter-se-ão instalado na região cerca de 20 mil colonos judaicos e que só na Cisjordânia existirão mais de uma centena de colonatos ilegais (sem aprovação das autoridades israelitas, mas que estas nada fazem para eliminar).
Este cenário revela bem as dificuldades que qualquer liderança palestiniana tem em aceitar novas concessões territoriais a Israel, tanto mais que será crescente o número de palestinianos que recusam a solução da existência de dois estado. Seja por pretenderem, como os integristas do Hamas, a instalação de um único estado muçulmano, seja por entenderem que um estado palestiniano com as limitações que lhe pretende impor Israel nunca será um estado viável, as teses dos defensores da formação de um único estado começam a tornar-se cada vez mais visíveis.
E agora...
A avaliar por uma notícia do jornal israelita Haaretz os documentos preparatórios da reunião de Annapolis não contemplam questões sensíveis como o estatuto de Jerusalém, a definição de fronteiras e o “direito de retorno” dos refugiados, que apenas serão alvo de discussão numa fase posterior. Numa palavra – e na sequência daquilo que já nos vem habituando – a administração Bush prepara-se para mais uma manobra de propaganda de resultados muito duvidosos.
Com este breve quadro talvez se torne mais fácil entender porque é que o conflito israelo-árabe continua por resolver. Enquanto o lado palestiniano parece dividido em três grandes grupos - os que apoiam a OLP e a constituição de um estado palestiniano, os que apoiam o Hamas ou outros grupos mais radicais e pretendem o fim do estado de Israel e os que advogam o princípio de um estado dois povos – o lado judaico parecendo mais homogéneo e partidário do princípio de cedência de terra em troca de paz (que esteve na origem do ineficaz Acordo de Oslo e da constituição da Autoridade Palestiniana), nem por isso deixa de também apresentar os seus dissidentes, sendo que estes, fruto do seu extremismo religioso a par com os integristas muçulmanos, parecem constituir mais uma parte do problema que parte da sua solução.
O grupo de estados árabes, vizinhos de Israel, apresenta-se igualmente dividido, oscilando entre posições como a da Arábia Saudita, que manifestou a sua intenção de presença em virtude da decisão favorável da última cimeira árabe[3], e a da Síria que faz depender a sua presença da inclusão da questão dos Montes Golan na agenda da reunião, ciente de que aquela é indispensável à estratégia norte-americana na medida em que por seu intermédio se poderão representar os interesses do Hamas, organização que governa e controla a Faixa de Gaza mas não foi convidada a participar na reunião.
Por tudo isto não será estranho que muita gente veja o futuro do Médio Oriente bastante negro… …mesmo sem querer reduzir o mérito aos muitos que no terreno vão procurando implementar pontes de diálogo entre judeus e palestinianos, arrostando muitas vezes com a incompreensão e as perseguições do seu próprio povo, muito continua por fazer até que se possa falar num verdadeiro processo de paz. Talvez aqueles que vêm defendendo novas abordagens ainda possam vir a dar um decisivo contributo para o problema, mas para tal os judeus terão que abdicar do seu sacrossanto princípio de hegemonia cultural e os palestinianos de aceitar presença daqueles no território.
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[1] Designação pela qual também é conhecido o exército de Israel.
[2] Um kibutz é uma forma de colectividade comunitária israelita, semelhante ao que designamos por cooperativa. Constituíram uma forma de organização do trabalho particularmente importante nos primeiros anos da existência um papel essencial na criação de Israel. Combinando o socialismo e o sionismo no sionismo trabalhista, os kibutz foram uma experiência única israelita, neles foram formados grande número dos seus líderes militares e políticos, até porque exerceram nos primeiros conflitos israelo-árabes a função de verdadeiras bases avançadas, com colonos dispondo de treino militar e armas que combateram os exércitos árabes até à intervenção do tsahal.
[3] Este é um exemplo perfeito dos delicados equilíbrios que a dinastia Al Saud continua a praticar para assegurar a sua permanência na condução dos destinos de uma Arábia Saudita que a par com papel de guarda de dois dos mais importantes lugares religiosos (Meca e Medina) é local de origem de uma das correntes islâmicas mais radicais, o wahabismo, um dos principais países exportadores de petróleo e habitual aliado dos EUA.
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