segunda-feira, 19 de novembro de 2007

REALISMO NACIONAL

Ao ler a mais recente crónica de Daniel Amaral no EXPRESSO na qual o autor procura demonstrar a inevitabilidade dos reduzidos aumentos salariais praticados em Portugal, país que no contexto da UE de que é membro é o que apresenta os salários mais baixos, veio-me à memória uma notícia que li, no mês passado, num jornal italiano.

Em finais do mês passado o jornal italiano LA REPUBBLICA deu á estampa uma notícia sobre algo tão aparentemente anacrónico como absolutamente impensável no mundo respeitável que é o dos negócios. O proprietário de uma fábrica local de massas alimentícias decidira unilateralmente aumentar os seus empregados em mais 200€ mensais após ter ensaiado viver durante um mês com o ordenado de 1.000€ que lhes pagava e justificava esta decisão com dois argumentos simples: primeiro, a produtividade dos trabalhadores aumentará se estes não tiverem que enfrentar o “stress” associado às dificuldades financeiras; segundo, dispondo de melhor poder de compra poderão adquirir um maior valor dos próprios produtos que vende.

Esta lógica aparentemente irrefutável é, há largos anos, contrariada por toda a teoria e argumentação económica que os mais sérios, dedicados e profundos pensadores universais têm produzido. Entre estes conta-se seguramente Daniel Amaral, porque também ele explica no seu artigo que «...acréscimos superiores à inflação mais a produtividade (3,4%) fariam subir os custos salariais unitários, o que seria péssimo. Vale a pena explicar porquê. Em termos médios, o peso dos custos laborais nos bens que produzimos é hoje da ordem dos 51% e está a subir. O mesmo peso no conjunto dos países que são nossos parceiros comerciais não vai além de 48% e está a descer. Quer isto dizer que, assumindo como equivalentes todos os outros factores, o factor preço desequilibra as relações de troca e penaliza as exportações

Enquanto o anónimo industrial Enzo Rossi se propõe esbanjar mensalmente uns milhares de euros, felizmente, continua a haver quem se preocupe com a estabilidade da vida dos trabalhadores portugueses (mesmo que os seus rendimentos representem 67% da média da zona Euro) e apele à necessidade de contenção destes no sentido de assegurar os mesmos, ou maiores, níveis de lucros aos donos das empresas; a isto chama-se realismo, até porque tudo será feito em nome dos indispensáveis equilíbrios macro-económicos.

Haverá para qualquer governante ou industrial nacional maior desígnio que o do equilíbrio das balanças?

Se este grupo diariamente se sacrifica pelo bem comum como é que não se deverá exigir idêntico esforço daqueles que trabalham?

Ajuizadamente actua o governo de José Sócrates e as confederações patronais quando, previdentemente, pretendem fixar os aumentos salariais para 2008 em 2,1% (a famigerada inflação esperada) evitando aproximar-se dos perdulários 3,4% (inflação mais ganhos de produtividade) estimados por Daniel Amaral; assim ficarão assegurados objectivos como o do equilíbrio da balança comercial (preços mais concorrenciais por via da redução dos custos de produção), a contenção da inflação e até, milagre, uma redução do endividamento.

No limite estaremos (os trabalhadores) quase todos mortos de fome, mas conseguirão (os políticos e os industriais) resolver os importantes desequilíbrios da nossa economia!

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