O resultado
das eleições gregas contribuiu para eclipsar dos comentários o anúncio feito
uns dias antes de que o «BCE
avança com compra de 60 mil milhões de euros de dívida pública e privada por
mês», que no imediato terá influenciado expectativas, levando até a declararem-se
os «Empresários
alemães mais optimistas depois da ‘bazuca' de Draghi», mas que não
resultará no milagre salvífico que alguns lhe atribuem.
O mecanismo de “quantitative
easing” (QE) anunciado por Draghi consiste, na teoria, numa injecção
monetária destinada a aumentar a liquidez na economia e assim fomentar o seu
crescimento. Teoria à parte, a opção do BCE traduz-se, na prática, na aquisição
ao sistema financeiro de dívida titularizada, algo que já vinha sendo feito –
sob designações como OMT (Outright Monetary
Transactions) e TLTRO (Targeted
Longer-Term Refinancing Operations) – com os resultados conhecidos: saneamento do balanço dos bancos e
pouco ou nenhum efeito sobre a economia real.
Sob a pressão da realidade europeia, confortado com uma decisão onde o «Tribunal europeu deixa BCE mais à vontade para começar a
comprar dívida pública» e
para obviar as habituais críticas alemãs, Mario Draghi justificou a medida
agora proposta com a necessidade de cumprir o objectivo prioritário de
manutenção da inflação nos 2%, numa conjuntura claramente deflacionária e
quando são cada vez mais consistentes os sinais de que a prazo a inflação se
situará próxima de zero.
Os defensores da opção QE recorrem aos exemplos de actuação do FED
norte-americano, do Banco de Inglaterra e do Banco do Japão que há algum tempo
vêm utilizando a injecção de liquidez como via para o relançamento das
respectivas economias… com os resultados que se conhecem; tanto assim é que enquanto
a «Economia
japonesa entra em recessão após contracção inesperada no terceiro trimestre»
e o «PIB
do Reino Unido cresce menos do que o esperado», no seu recente discurso
sobre o estado da nação «Obama
afirma que a economia dos EUA já recuperou da recessão», apesar de nem
todos os dados serem coincidentes (veja-se a avaliação da inflação e da
evolução do desemprego e do PIB norte-americano realizada pelo Shadow Government Statistics)
com a afirmação.
Seja por constituir uma clara inversão às políticas de austeridade que
tem imposto (algumas vezes em oposição ao discurso dos seus principais
responsáveis), seja por continuar a considerar a necessidade
de reformas estruturais, o
FMI vai avisando que o «Programa
do BCE não é suficiente para reactivar economia europeia»; em simultâneo,
as agências de “rating” apontam as
limitações resultantes dos desequilíbrios nos balanços dos bancos que atenuarão
a transmissão do efeito ao tecido económico e enquanto a «Fitch
considera que programa do BCE não vai estimular o crédito» a homóloga «Moody's
prevê que programa de estímulos do BCE terá "um efeito limitado"». Este efeito deverá
ser ainda mais sentido nos países da periferia europeia (os mais afectados pela
crise) cujas empresas apresentam elevados níveis de endividamento que os
excluem no acesso a mais crédito.
Mesmo reconhecendo que o programa de QE agora proposto apresenta algumas
vantagens relativamente aos anteriores (OMT e TLTRO), nomeadamente o facto de
ser extensivo a todas as economias da Zona Euro e não se limitar à
redução dos custos de financiamento de economias solventes relativamente às
quais os mercados implementassem estratégias especulativas ou alimentassem
dúvidas sobre a liquidez e a sua solidez financeira, continuará por resolver a
questão dum modelo de financiamento da dívida pública assente, exclusivamente,
no recurso ao mercado de capitais.
Mau grado esta
forte limitação (a par com a inegável realidade da fragilidade dos balanços do
sector financeiro) tendo a concordar com Alexandre Abreu, que concluiu a sua
crónica «A bazuca não
é o que parece» dizendo: «O
QE não é uma bazuca, não é uma injecção de liquidez a uma escala sem
precedentes, e é provável que não tenha grande impacto na massa monetária. Mas
é um passo no sentido da monetização da dívida europeia. É por aí que, a meu
ver, é importante.»
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