Os
desenvolvimentos na situação interna do Iraque, onde as forças “jihadistas” do ISIS (Estado Islâmico do
Iraque e do Levante) parecem capazes de manter a pressão militar sobre o regime
de Bagdad, continuam a centrar as atenções de vários quadrantes.
No Ocidente
continuam as movimentações diplomáticas, confirmadas pela notícia de que o
secretário de estado John «Kerry
chega a Bagdad para analisar crise no Iraque», enquanto se mantêm em aberto
a hipótese de ver regressar os bombardeamentos norte-americanos à região.
Depois de Bagdad esteve «Kerry
na região curda para discutir crise no Iraque», mas a única reacção
conhecida continua a ser a de que, o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-«Maliki
rejeita governo de unidade nacional para travar ISIS».
A estratégia
de aparente desinteresse curdo deve resultar da conjugação de factores como a
impopularidade do xiita Nouri al-Maliki e da sua política sectária, a par com a
opção táctica de aguardar para avaliar quem sairá vencedor do braço de ferro
entre sunitas e xiitas; o enfraquecimento do poder em Bagdad e uma eventual
fragmentação do Iraque parece a opção que melhor servirá a sua ancestral
aspiração ao reconhecimento do direito à formação do estado curdo, preferível ao
seu envolvimento directo em prol dum ou doutro dos opositores.
Já para Teerão
e Damasco (cujo regime alauita de Bashar al-Assad é um velho aliado dos xiitas)
a ascensão sunita e em especial a hipotética formação dum estado islâmico em
parte do seu território, é algo tão difícil de aceitar quanto a dum estado
curdo, apreciação que partilham com uma Turquia que continua a braços com as
tendências independentistas do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão)
curdo.
Esta intrincada teia de interesses e a frágil estrutura governativa deixada pelos
americanos no Iraque, que já levou a declarações onde «Nouri
al-Maliki culpa "atraso" dos EUA pelos avanços do ISIS», explica
a facilidade como que esta organização tem logrado ocupar ponto estratégico
após ponto estratégico no território que reivindica. Outras razões têm sido
aduzidas para aquele sucesso, entre as quais avulta a facilidade com que os
radicais dos ISIS beneficiaram do armamento e demais material logístico
disponibilizado aos opositores de al-Assad sem qualquer garantia sobre a
idoneidade e efectivo destino, facto que motivou já escaramuças entre os grupos
de opositores das diferentes origens e orientações.
Encontrando
na corrente wahhabita (movimento muçulmano ultra-conservador originado na
Arábia Central em meados do século XVIII e fundado por Muhammad bin Abd al
Wahhab, continua a ter uma forte influência na actualidade política e cultural
na Arábia Saudita, no Kuwait e no Qatar) a sua principal inspiração e na
facilidade de recrutamento (ver a propósito o artigo
de Bernardo Pires de Lima «‘JIHAD’ 3.0») a sustentação para a implantação dum califado islâmico,
incluindo a aplicação da “sharia”
(lei religiosa islâmica), em territórios maioritariamente ocupados por sunitas,
está a ser objectivamente combatida no Iraque e na Síria (o ISIS é uma das
várias organizações que se opõe militarmente ao regime de Bashar al-Assad), não
beneficia do apoio ocidental e começará mesmo a inquietar as conservadoras
monarquias árabes (reconhecidas financiadoras dos movimentos sunitas radicais)
a ponto de recordar a situação em que a criatura ultrapassa o criador.
Para entender
esta situação, recorde-se que a origem do ISIS deriva do ISI (movimento formado
após a invasão americana do Iraque que integrava sunitas a par de “jihadistas” de diferentes proveniências
e orientações que encontraram na presença ocidental o cimento para justificar a
sua união) que então era ainda marcado por reminiscências dos movimentos “mujhaedin” criados ao tempo da ocupação soviética
do Afeganistão. Deste tempo remonta também o apoio financeiro e logístico das
conservadoras monarquias árabes (Arábia Saudita e Kuwait) e do Ocidente em
geral, que não souberam, ou não quiseram, perceber as alterações conceptuais
operadas e se confrontam agora com um movimento bem financiado e bem equipado, que
com maior ou menor apoio das populações locais está a tentar redefinir
fronteiras numa região onde elas foram desenhadas a régua e esquadro no início
do século passado conforme os interesses de ingleses e franceses (ver o “post” «FRAGMENTOS
DO CRESCENTE FÉRTIL») e onde agora se digladiam os modernos interesses
energéticos.
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