quarta-feira, 4 de junho de 2014

ABOMINAÇÕES

Enquanto no país assistimos ao desenrolar duma abominável “guerrilha” entre o governo de Passos Coelho e o Tribunal Constitucional, o Mundo continua a mover-se… mesmo quando isso pode parecer anacrónico.

Este raciocínio aplica-se a muito do que está a ocorrer na mais conturbada das regiões do Globo – o Médio Oriente – onde ocorreram (ou estão a ocorrer) processos eleitorais que merecem, dos analistas e comentadores ocidentais, opiniões diversas em função da sua localização e das perspectivas que criam para o Ocidente. Assim, a eleição no Egipto dum general que comandou o mais recente golpe militar merece os maiores encómios enquanto a previsível reeleição de Bashar Al-Assad na Síria é apontada como uma calamidade.

É claro que a eleição do general Abdel Fattah al-Sissi se poderá traduzir numa certa pacificação do país (tanto mais importante quanto a débil economia egípcia depende estruturalmente das receitas do turismo) que pouca ou nenhuma crítica tem recebido, mas saber-se «Sissi proclamado Presidente do Egipto, com 96,9% dos votos» é, como disse o candidato derrotado, o nacionalista de esquerda Hamdeen Sabahi, «“um insulto à inteligência dos egípcios”» e de toda a gente, tanto mais que o mesmo poderá ocorrer em Damasco, com a diferença de que semelhante vitória de Al-Assad será prontamente rotulada no Ocidente de “farsa eleitoral”.


Esta ambivalência, que já acarretou alguns amargos de boca às potências ocidentais e às suas diplomacias, repete o que ocorreu no início de 2006 quando o Ocidente rejeitou a vitória eleitoral do Hamas em eleições na Palestina que redundaram na formação de governos distintos para a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, secessionismo que se arrastou ao longo oito longos anos até que esta semana o «Presidente da Palestina deu posse ao governo de coligação entre a Fatah e o Hamas» e nada garante que esteja resolvido, pois Israel e os EUA continuam apostados em identificar o Hamas com os Irmãos Muçulmanos, movimento islâmico implantado em vários países da região que participou activamente nas revoltas que derrubaram vários ditadores árabes, enquanto apoiam o regime turco de Recep Tayyip Erdogan, líder do AKP (partido islâmico da linha da Irmandade Muçulmana) e chefe dum governo pró-NATO que se está a distinguir pela repressão dos mesmos anseios populares que deram origem à Primavera Árabe.

Generalizadamente designada como Primavera Árabe, as revoltas populares iniciadas em 2010 culminaram com o derrube de regimes como o tunisino (Zine Ben Ali) e o líbio (Muammar Al-Khaddafi), tendo atingido o seu ponto mais alto com o derrube do regime egípcio de Hosni Mubarak, em Janeiro de 2011. Na sequência desta revolta popular, em meados de 2012 e numa segunda volta foi democraticamente eleito um presidente da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi, que dirigiu o Egipto até que a contestação a uma crescente islamização levou ao golpe militar de Al-Sissi, fazendo com que em pouco mais de três anos se tenha regressado ao predomínio e ao arbítrio duma estrutura militar (algo que Morsi procurou combater) querida aos olhos dum Ocidente sempre predisposto à desconfiança de tudo quando cheire a islamismo.

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