Muitos serão
os motivos invocáveis (desde a crise na Zona Euro, a famigerada situação
político-económica nacional, o aparente apaziguamento com a saída das tropas
dos EUA ou até a situação no resto do Médio Oriente) para que a situação no
Iraque tenha deixado de ser presença marcante neste espaço. Não que a criminosa
invasão decidida por Bush e Blair esteja esquecida (que o digam as populações
locais e a generalidade dos povos do Médio Oriente, com especial destaque para
o sírio) e ainda menos que os seus perniciosos efeitos se tenham desvanecido,
antes e pelas piores razões surgiram novos focos de conflito, prontamente
seguidos de reacções como aquela onde o fanático Tony «Blair
quer nova ofensiva militar do Ocidente no Iraque».
Saddam Hussein
poderia ser o déspota que os cândidos dirigentes ocidentais da época passaram a
descrever quando ameaçou começar a cotar o petróleo iraquiano em euros, mas
foi, em grande medida, um forte travão às múltiplas divergências étnicas e
religiosas numa região charneira para xiitas, sunitas e curdos, que
inclusivamente potenciou alguma acalmia na região curda situada no interior das
fronteiras turcas.
Parte
nuclear do milenar Crescente Fértil e Berço da Civilização, os vales do Tigre e
do Eufrates voltaram recentemente ao centro das atenções com a notícia de que
organizações sunitas de «Insurrectos
tomam Mossul em assalto-relâmpago». A ocupação da segunda maior cidade do
país, um dos principais centros da indústria petrolífera e um importante centro
cultural (a menos de 500 km da capital), seguida da notícia que «Jihadistas
ocupam mais duas cidades iraquianas» sem resistência (no caso as cidades de Baiji, importante centro de
refinação petrolífera, e Tikrit, cidade natal de Saddam a apenas 150 km da
capital), coloca os «Rebeldes
às portas de Bagdade», que o mesmo é dizer a um pequeno passo de aniquilar
os benefícios norte-americanos, impostos na sequência da II Guerra do Golfo;
estes desenvolvimentos já fizeram soar os alarmes em Washington e da
capital do país que é o principal responsável pela situação caótica que vivem
os iraquianos, chega a notícia que o presidente «Obama
está a analisar "todas as opções" sobre Iraque», pelo que deverão
regressar brevemente os raids aéreos sobre o Iraque.
Mas
talvez mais grave que tudo isso é a constatação de reduzida capacidade de resposta
militar dumas forças armadas que pouca ou nenhuma resistência opuseram, a ponto
do governo do xiita Nouri Al-Maliki ter anunciado a distribuição de armas à
população, no que aparenta uma manobra desesperada face a uma situação que nem
sequer se pode designar como novidade, tantas têm sido as revoltas contra o que
sunitas, curdos e rivais xiitas designam de deriva autoritária do primeiro-ministro,
que estará nas origens próximas de mais esta rebelião sunita.
É claro que no
discurso das autoridades iraquianas não falta a menção do seu papel na luta
contra o terrorismo regional – leia-se a Al-Qaeda e o movimento sunita
conhecido como Estado Islâmico do Iraque e do Levante
(ISIS), um poderoso ramo dissidente da Al-Qaeda que procura implantar um estado
teocrático nas áreas de maioria sunita da Síria e do Iraque – facto ampliado
pela pronta reacção de apoio chegada de Damasco e do presidente Bashar Al-Assad
(também ele a braços com uma guerra civil onde pontifica o mesmo ISIS), que tal
como Al-Maliki se esforça pela sobrevivência dum regime contra a militância das
respectivas minorias sunitas, que – paradigma da “real politik” – conhecem do lado sírio da fronteira um apoio
disfarçado dos EUA contra o regime alauita de Bashar Al-Assad (apoiado pelo
regime xiita de Teerão) e do lado iraquiano a oposição à tentativa de
substituição do regime pró iraniano de Al-Maliki.
Se esta teia
de interesses regionais parecer pouco intricada, deve ainda juntar-se o apoio
da Turquia (tanto mais expressivo quando já foi noticiado que a «Turquia
pede reunião urgente da NATO para discutir situação do Iraque») ao governo
dum Al-Maliki que procura negociar desesperadamente com a mesma minoria curda que
o regime de Ancara se esforça em erradicar e o facto do extremismo do ISIS (a
organização liderada por Abu Bakr Al-Baghdadi que ocupou o vazio deixado no
Iraque pela Al-Qaeda e que tem assumido a responsabilidade pelas acções
terroristas que na última década inviabilizaram a pacificação do país) ter
levado o actual líder da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, a distanciar-se-lhe.
Ao contrário
da ambígua estratégia ocidental para a região – bem evidente perante a recente
afirmação onde o alto responsável da administração Obama John «Kerry admite colaborar com o Irão contra islamitas
iraquianos» ou a notícia de que «Londres reabre embaixada em Teerão»
–, os islamitas do ISIS têm definido de forma clara e precisa um objectivo – a
unificação dum território de maioria sunita repartido entre a Síria e o Iraque
nos termos do velhinho acordo de definição de fronteiras coloniais entre
ingleses e franceses (o acordo Sykes-Picot), assinado em 1916 – e estão a
revelar-se capazes de o alcançar. A grande incógnita é o que dele farão!
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