segunda-feira, 2 de junho de 2014

EM QUEDA LIVRE

Graças ao “fait divers” da luta interna no PS e à conivência da comunicação social o anúncio na passada sexta-feira de mais um chumbo constitucional a decisões do Governo de Passos Coelho está a passar quase despercebida e quando referida tem-no sido de forma limitada e reduzida ao impacto no OGE, como se tudo se resumisse a uma mera questão de natureza financeira.


É preciso procurar com afinco para encontrar mais que a referência ao anúncio que o «Tribunal Constitucional chumba três artigos do OE2014» ou a menção que o «Constitucional chumba cortes salariais». Sem negar a importância de informar o público que em consequência daquela decisão fica o «Governo obrigado a repor salários de 2010 à Função Pública em Junho» seria de esperar muito mais de quem tem por missão informar os cidadãos.

Excepção feita a um ou outro comentador, o essencial da informação difundida quedou-se pelo óbvio e básico. Até os comentários à fundamentação apresentada pelos juízes de que os «Cortes afectam salários «exíguos» e prestações sociais perto ou abaixo do limiar de pobreza» ou de que a «Redução salarial superou “limite do sacrifício admissível”», à excepção da transcrição duma ou outra declaração mais inflamada de personalidades do PSD ou do CDS, se esqueceram da incongruente decisão de declarar uma medida inconstitucional (cortes nos salários da função pública) sem impor a reversão dos seus efeitos enquanto noutra (cortes nos subsídios de doença e de desemprego) foi, logicamente, imposta a reposição dos valores indevidamente retidos. Nada que afinal espante quem ainda se recorda da decisão sobre o primeiro OGE dos tempos de Passos Coelho, quando os juízes demoraram seis meses para concluírem a inconstitucionalidade do documento mas permitiram que o mesmo conhecesse aplicação prática.

Por referir continua o facto incompreensível do País estar a ser dirigido por um Governo que ainda não conseguiu, ou não quis, apresentar um único Orçamento conforme as regras constitucionais, do mesmo modo que continua por questionar a decisão do Presidente da República de promulgar um documento sobre o qual pendiam profundas dúvidas (bem reais, como se agora se comprovou) quanto ao respeito pela lei fundamental.

Matéria onde não devem existir dúvidas é a de que no areópago dos poderosos ninguém quererá render-se à evidência das evidências – o poder (e quem em torno dele gravita) está entregue à demasiado tempo a quem o desprestigia e nele mais não procura que agendas alheias ao interesse geral – tanto assim que até «Passos diz que chumbo do TC é uma “enorme adversidade”», tentando que não reconheçamos no mesmo mais que o episódio isolado que não é, e que o deixemos persistir na estratégia de queda livre em que nos mergulhou.

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