sexta-feira, 30 de maio de 2014

A EUROPA FOI A VOTOS…

Afirmar que a Europa foi a votos deveria ser a melhor forma de retractar a normalidade da vida democrática do mais importante mercado mundial, mas face aos resultados do fim-de-semana mais pareceria uma hecatombe.

Usando uma figura de estilo cara aos modernos líderes liberais (incluindo até os pós-modernos das facções mais radicais), no passado fim-de-semana foi dada a palavra aos agentes do mercado – vendo bem a maioria das campanhas realizadas pelos candidatos não passaram do mero exercício publicitário – que duma forma geral se pronunciaram contra as políticas em curso.


Afinal o voto na extrema-direita francesa ou inglesa, assumidamente contra um processo de integração europeia que tem na sua génese a livre circulação de pessoas, ou na esquerda grega organizada em torno do Cyriza, declaradamente contra as políticas de austeridade e de claro benefício do factor capital em detrimento do factor trabalho, foi um voto contra uma União Europeia altamente burocratizada e organizada para benefício dos “mercados”, cristalizada na sua própria organização e “modus operandi” (que persiste em privilegiar as “negociações de bastidores” à transparência das opiniões populares) e incapaz de qualquer sinal de mudança.

Afirmar-se a «UE inquieta com avanço da extrema-direita» pode nem sequer se traduzir em mudança significativa, se dermos crédito à afirmação de que Durão «Barroso preocupado com resultados eleitorais, mas recusa leituras simplicistas», ou se simplesmente se mantiver o estado de impasse político forjado na falta de capacidade mobilizadora das diversas tendências que grassam no seio da nomenclatura de Bruxelas. Este fenómeno ameaça já estender-se aos deputados recém-eleitos, incluindo os grandes vencedores do UKIP inglês e da FN francesa, onde os líderes «Farage e Le Pen em braço-de-ferro para controlar a extrema-direita» se dizem empenhados na constituição dum novo grupo parlamentar mas que se confrontam com a regra que impõe a participação de deputados de sete estados diferentes – para já poderão contar com os dinamarqueses do Partido do Povo, os alemães do Alternative für Deutschland (AfD), além de finlandeses e húngaros – mas esbarram na relutância em alargar o grupo aos neonazis do partido grego Aurora Dourada.

A tendência eurocéptica estende-se a outros sectores, como seja o agrupamento GUE-NGL (Gauche Unitaire Europénne/Esquerda Nórdica Verde) – que incluirá os portugueses do PCP e do BE e os grandes vencedores das eleições na Grécia, o Syriza – e o EFD (União para a Europa das Nações) que junta pequenos partidos mais ou menos anti-federalistas mas distintos dos princípios mais nacionalistas e xenófobos do UKIP ou da FN, facto que não obviou a que em 1999 nele encontrasse abrigo o líder do UKIP.

Não se confirmando a criação de novos agrupamentos, a distribuição dos eurodeputados eleitos pelos actuais grupos será mais ou menos a seguinte:


pelo que a escolha do novo presidente da Comissão Europeia dependerá de complicadas negociações centradas nas principais forças (PPE e S&D), mecanismo particularmente grato da burocracia de Bruxelas, que a crer na notícia de que o «PPE corteja eurodeputados indecisos para escolher sucessor de Barroso» até já se terá iniciado.

Enquanto isto, na reunião do Conselho Europeu que esta semana teve lugar, foi notícia que «Cameron dá o primeiro passo para uma União Europeia diferente, sem Juncker e sem federação» no que pode ser entendido com uma óbvia reacção aos maus resultados internos do seu partido e assemelhado a uma clara tentativa de capitalizar os ventos de mudança que parecem desejados pelos poucos eleitores europeus que manifestaram a sua opinião (no conjunto do espaço europeu a abstenção foi de 56,9%) e que, para já, não mereceu resposta claramente negativa de Berlim, que persistirá com a ideia de substituir o dúctil Durão Barroso por um europeísta mais convicto, preferentemente o luxemburguês Jean-Claude Junker, mas que o pragmatismo imposto pela nova realidade europeia que se desenha – aceleração da derivação do centro da crise dos países da periferia europeia para os do centro (França e Reino Unido) e alteração dum discurso predominantemente económico e financeiro para uma abordagem de natureza mais política – poderá afinal substitur por outro que melhor sirva os interesses ligados às políticas de rigor orçamental e austeridade social em curso.

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