Afirmar que a
Europa foi a votos deveria ser a melhor forma de retractar a normalidade da
vida democrática do mais importante mercado mundial, mas face aos resultados do
fim-de-semana mais pareceria uma hecatombe.
Usando uma
figura de estilo cara aos modernos líderes liberais (incluindo até os
pós-modernos das facções mais radicais), no passado fim-de-semana foi dada a
palavra aos agentes do mercado – vendo bem a maioria das campanhas realizadas
pelos candidatos não passaram do mero exercício publicitário – que duma forma
geral se pronunciaram contra as políticas em curso.
Afinal o voto
na extrema-direita francesa ou inglesa, assumidamente contra um processo de
integração europeia que tem na sua génese a livre circulação de pessoas, ou na
esquerda grega organizada em torno do Cyriza, declaradamente contra as
políticas de austeridade e de claro benefício do factor capital em detrimento
do factor trabalho, foi um voto contra uma União Europeia altamente
burocratizada e organizada para benefício dos “mercados”, cristalizada na sua
própria organização e “modus operandi”
(que persiste em privilegiar as “negociações de bastidores” à transparência das
opiniões populares) e incapaz de qualquer sinal de mudança.
Afirmar-se a «UE
inquieta com avanço da extrema-direita» pode nem sequer se traduzir em
mudança significativa, se dermos crédito à afirmação de que Durão «Barroso preocupado com resultados eleitorais, mas
recusa leituras simplicistas», ou se simplesmente se mantiver o
estado de impasse político forjado na falta de capacidade mobilizadora das
diversas tendências que grassam no seio da nomenclatura de Bruxelas. Este
fenómeno ameaça já estender-se aos deputados recém-eleitos, incluindo os
grandes vencedores do UKIP inglês e da FN francesa, onde os líderes «Farage
e Le Pen em braço-de-ferro para controlar a extrema-direita» se dizem
empenhados na constituição dum novo grupo parlamentar mas que se confrontam com
a regra que impõe a participação de deputados de sete estados diferentes – para
já poderão contar com os dinamarqueses do Partido do Povo, os alemães do Alternative für Deutschland (AfD),
além de finlandeses e húngaros – mas esbarram na relutância
em alargar o grupo aos neonazis do partido grego Aurora Dourada.
A
tendência eurocéptica estende-se a outros sectores, como seja o agrupamento GUE-NGL
(Gauche Unitaire Europénne/Esquerda Nórdica Verde) – que incluirá os
portugueses do PCP e do BE e os grandes vencedores das eleições na Grécia, o
Syriza – e o EFD (União para a Europa das Nações) que junta pequenos partidos
mais ou menos anti-federalistas mas distintos dos princípios mais nacionalistas
e xenófobos do UKIP ou da FN, facto que não obviou a que em 1999 nele
encontrasse abrigo o líder do UKIP.
Não se
confirmando a criação de novos agrupamentos, a distribuição dos eurodeputados
eleitos pelos actuais grupos será mais ou menos a seguinte:
pelo que a
escolha do novo presidente da Comissão Europeia dependerá de complicadas
negociações centradas nas principais forças (PPE e S&D), mecanismo
particularmente grato da burocracia de Bruxelas, que a crer na notícia de que o
«PPE
corteja eurodeputados indecisos para escolher sucessor de Barroso» até já
se terá iniciado.
Enquanto isto, na reunião do Conselho Europeu que esta semana teve
lugar, foi notícia que «Cameron
dá o primeiro passo para uma União Europeia diferente, sem Juncker e sem
federação» no que pode ser entendido com uma óbvia reacção aos maus
resultados internos do seu partido e assemelhado a uma clara tentativa de
capitalizar os ventos de mudança que parecem desejados pelos poucos eleitores
europeus que manifestaram a sua opinião (no conjunto do espaço europeu a
abstenção foi de 56,9%) e que, para já, não mereceu resposta claramente
negativa de Berlim, que persistirá com a ideia de substituir o dúctil Durão
Barroso por um europeísta mais convicto, preferentemente o luxemburguês
Jean-Claude Junker, mas que o pragmatismo imposto pela nova realidade europeia
que se desenha – aceleração da derivação do centro da crise dos países da
periferia europeia para os do centro (França e Reino Unido) e alteração dum
discurso predominantemente económico e financeiro para uma abordagem de
natureza mais política – poderá afinal substitur por outro que melhor sirva os
interesses ligados às políticas de rigor orçamental e austeridade social em
curso.
Sem comentários:
Enviar um comentário