A grave
situação que atravessa o país e a UE não pode constituir razão para esquecermos
outros acontecimentos, tanto mais quando estes ocorrem nos seus limites
naturais.
É certo que o
velho Mare Nostrum romano deixou há muito de constituir o centro do Mundo, mas
para a Europa ele ainda é uma das suas principais fronteiras naturais e via
estratégica para a projecção de força da Rússia que a ele acede a partir das
bases no Mar Negro e através do Mar de Marmara, pelo que a situação nos países
que o bordejam constitui, e constituirá, fonte permanente de atenção e
preocupação.
Quando se
avizinha uma crescente actividade diplomática em torno da Conferência sobre a
Síria (apesar do recente anúncio de que terá sido «Adiada
conferência de paz sobre a Síria») e depois da UE ter entreaberto a porta
ao fornecimento de armas a grupos sírios que se opõem ao presidente Bashar
Al-Assad, eis que novos acontecimentos se vêem juntar na região.
Depois da
eclosão da contestação popular na Turquia eis que a REUTERS
divulga a notícia que o «Parlamento
do Egipto é considerado ilegal, mas não será dissolvido» (que pode ser
confirmada no Huffington
Post e no DN),
deixando claro o reabrir do confronto entre o poder o legislativo e o judicial.
Embora de
natureza aparentemente diferente – os protestos turcos e a reacção egípcia
prendem-se sobretudo com os delicados equilíbrios internos entre forças e
organizações laicas e religiosas a par da crescente denúncia pública da
proliferação de casos de corrupção (veja-se o excelente “post” de Craig Murray «Talking
Turkey») – não pode deixar de se assinalar a coincidência destes
acontecimentos com a situação interna na Síria, território que parece cada vez
mais palco de lutas de interesses alheios aos desejos sírios. Além da
incontornável questão curda (recorde-se que o território há muito reivindicado
por esta nação sem Estado se encontra maioritariamente fragmentado entre a
Turquia, o Iraque e a Síria) outras se colocam num país cujas fronteiras foram
definidas ao sabor dos interesses e conveniências de franceses e ingleses, as
mesmas nações que hoje voltam a influenciar determinantemente o seu futuro
próximo.
Como se não
bastassem as sequelas das práticas coloniais, a Síria apresenta-se hoje como
mais um palco para o confronto de interesses globais e regionais onde as
populações locais sofrem na pele as respectivas consequências. A simples
hipótese duma possível escalada em consequência do fornecimento de armamento
europeu a grupos escolhidos da oposição ao regime de Bashar Al-Assad (posição
defendida pelo eixo Paris-Londres, tema do “post”
«ARMAS
PARA A SÍRIA», em grande parte sustentada na utilização de armas químicas
pelo regime sírio que registou recentemente a notícia de que a «ONU
denuncia crimes de guerra e França confirma uso de gás sarin»,
mas sem especificar a qual dos beligerantes atribuir a responsabilidade) foi
prontamente respondida através do empenho activo das forças do Hezbollah,
movimento xiita libanês e pró-iraniano, numa contra ofensiva governamental que
levou ao reequilíbrio de forças na região de Homs (um dos bastiões da revolta)
e redundou na notícia de que o «Exército sírio conseguiu entrar em Qusair, um dos
bastiões dos rebeldes», mais recentemente confirmada com o
anúncio de que o «Exército sírio retoma controlo de cidade estratégica
de Qusair».
A questão das
divisões no interior da nação árabe não constitui fenómeno recente (na
realidade remonta à divergência histórica, de natureza religiosa, entre sunitas
e xiitas e nos tempos mais recentes, ao domínio e desmantelamento do Império
Otomano e à presença da França e do Reino Unido enquanto potências coloniais)
que nem por isso deixa de continuar a ser explorado e manipulado por quantos têm
pretendido controlar uma região estrategicamente importante pelas suas reservas
de hidrocarbonetos, facto que tem constituído um factor de instabilidade
político-militar e reduzido ou nulo efeito para a melhoria das condições de
vida das populações locais. Todos estes factores contribuem afinal para que uma
possível revolta contra um regime impopular, quiçá pouco hábil até a gerir as
contradições religiosas entre xiitas e sunitas, as contradições regionais entre
Irão, Israel e Turquia e as contradições globais entre as potências ocidentais (EUA
e UE, com ou sem a participação da NATO), as potências emergentes (Rússia e
China), se tenha transformado afinal num cenário apocalíptico para as
populações sírias (de qualquer credo) originando um êxodo de «Mais
de 1,6 milhões de refugiados sírios em países vizinhos», muitos dos quais
numa Turquia cujo estado de convulsão política poderá transformá-la num
santuário pouco recomendável.
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