quarta-feira, 5 de junho de 2013

O LABIRINTO SÍRIO

A grave situação que atravessa o país e a UE não pode constituir razão para esquecermos outros acontecimentos, tanto mais quando estes ocorrem nos seus limites naturais.

É certo que o velho Mare Nostrum romano deixou há muito de constituir o centro do Mundo, mas para a Europa ele ainda é uma das suas principais fronteiras naturais e via estratégica para a projecção de força da Rússia que a ele acede a partir das bases no Mar Negro e através do Mar de Marmara, pelo que a situação nos países que o bordejam constitui, e constituirá, fonte permanente de atenção e preocupação.

Quando se avizinha uma crescente actividade diplomática em torno da Conferência sobre a Síria (apesar do recente anúncio de que terá sido «Adiada conferência de paz sobre a Síria») e depois da UE ter entreaberto a porta ao fornecimento de armas a grupos sírios que se opõem ao presidente Bashar Al-Assad, eis que novos acontecimentos se vêem juntar na região.


Depois da eclosão da contestação popular na Turquia eis que a REUTERS divulga a notícia que o «Parlamento do Egipto é considerado ilegal, mas não será dissolvido» (que pode ser confirmada no Huffington Post e no DN), deixando claro o reabrir do confronto entre o poder o legislativo e o judicial.

Embora de natureza aparentemente diferente – os protestos turcos e a reacção egípcia prendem-se sobretudo com os delicados equilíbrios internos entre forças e organizações laicas e religiosas a par da crescente denúncia pública da proliferação de casos de corrupção (veja-se o excelente “post” de Craig Murray «Talking Turkey») – não pode deixar de se assinalar a coincidência destes acontecimentos com a situação interna na Síria, território que parece cada vez mais palco de lutas de interesses alheios aos desejos sírios. Além da incontornável questão curda (recorde-se que o território há muito reivindicado por esta nação sem Estado se encontra maioritariamente fragmentado entre a Turquia, o Iraque e a Síria) outras se colocam num país cujas fronteiras foram definidas ao sabor dos interesses e conveniências de franceses e ingleses, as mesmas nações que hoje voltam a influenciar determinantemente o seu futuro próximo.

Como se não bastassem as sequelas das práticas coloniais, a Síria apresenta-se hoje como mais um palco para o confronto de interesses globais e regionais onde as populações locais sofrem na pele as respectivas consequências. A simples hipótese duma possível escalada em consequência do fornecimento de armamento europeu a grupos escolhidos da oposição ao regime de Bashar Al-Assad (posição defendida pelo eixo Paris-Londres, tema do “post” «ARMAS PARA A SÍRIA», em grande parte sustentada na utilização de armas químicas pelo regime sírio que registou recentemente a notícia de que a «ONU denuncia crimes de guerra e França confirma uso de gás sarin», mas sem especificar a qual dos beligerantes atribuir a responsabilidade) foi prontamente respondida através do empenho activo das forças do Hezbollah, movimento xiita libanês e pró-iraniano, numa contra ofensiva governamental que levou ao reequilíbrio de forças na região de Homs (um dos bastiões da revolta) e redundou na notícia de que o «Exército sírio conseguiu entrar em Qusair, um dos bastiões dos rebeldes», mais recentemente confirmada com o anúncio de que o «Exército sírio retoma controlo de cidade estratégica de Qusair».

A questão das divisões no interior da nação árabe não constitui fenómeno recente (na realidade remonta à divergência histórica, de natureza religiosa, entre sunitas e xiitas e nos tempos mais recentes, ao domínio e desmantelamento do Império Otomano e à presença da França e do Reino Unido enquanto potências coloniais) que nem por isso deixa de continuar a ser explorado e manipulado por quantos têm pretendido controlar uma região estrategicamente importante pelas suas reservas de hidrocarbonetos, facto que tem constituído um factor de instabilidade político-militar e reduzido ou nulo efeito para a melhoria das condições de vida das populações locais. Todos estes factores contribuem afinal para que uma possível revolta contra um regime impopular, quiçá pouco hábil até a gerir as contradições religiosas entre xiitas e sunitas, as contradições regionais entre Irão, Israel e Turquia e as contradições globais entre as potências ocidentais (EUA e UE, com ou sem a participação da NATO), as potências emergentes (Rússia e China), se tenha transformado afinal num cenário apocalíptico para as populações sírias (de qualquer credo) originando um êxodo de «Mais de 1,6 milhões de refugiados sírios em países vizinhos», muitos dos quais numa Turquia cujo estado de convulsão política poderá transformá-la num santuário pouco recomendável.

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