sábado, 1 de junho de 2013

O GATILHO DE GASPAR

A persistência nas notícias e alguma precisão entretanto incluída, justifica o regresso ao tema da redescoberta do investimento em Portugal.

A avaliar pelo empenho que os ministros das Finanças e da Economia revelaram na conferência de imprensa onde anunciaram que o «Governo quer inaugurar nova era com “super” apoio ao investimento» e pelo especial ênfase posto na afirmação de que «"Chegou o momento do investimento"», dir-se-ia que assistimos a uma espécie de exorcismo da crise e que de agora em diante nada voltará a ser terrível como foi.

Segundo notícia do DN, e com o nível de detalhe e precisão a que Vítor Gaspar já nos habituou, o «…ministro anunciou ainda um novo Reforço do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, o Alargamento dos Benefícios Fiscais ao Investimento de Natureza Contratual, Redução do Prazo de Resposta de Informações Vinculativas e a Criação do Gabinete Fiscal do Investidor Internacional, tudo medidas que faziam parte do plano apresentado há um mês por Álvaro Santos Pereira», o plano que dias depois o mesmo Gaspar veio esfrangalhar quando apresentou o DEO (Documento de Estratégia Orçamental) ao qual o «Conselho Económico e Social critica ausência de políticas de relançamento da economia», naquilo que, conforme noticiou o I, o ministro classificou como «…o "gatilho" que conduzirá à recuperação do investimento privado, já com resultados visíveis este ano».


Seria francamente bom para todos que Vítor Gaspar não esteja tão errado quanto as suas habituais previsões; porém, a realidade deverá a voltar ser particularmente madrasta com o ministro e além dos evidentes sinais contraditórios que o Governo está a transmitir – anunciando “cortes” no rendimento disponível para conter a despesa pública e redução de receita para promover o investimento –, também o prazo se afigura desmesuradamente optimista. Tanto mais optimista quanto são amplamente conhecidas duas realidades: a profunda contracção do mercado interno, originada na política de reduções de salários e pensões, e a historicamente reconhecida demora na produção de efeitos económicos em resultado de estímulos de natureza fiscal.

Já para não referir o que de pior encerra a proposta alemã – que Viriato Soromenho-Marques bem descreveu no artigo  «Diplomacia de caridade» como: «A boa vontade da iniciativa alemã apenas sublinha que passámos, na Europa, da lógica multilateral entre Estados iguais para a lógica bilateral da balança de poder entre potências desiguais. O federalismo, sempre evitado por retirar poder aos governos para o conceder aos cidadãos, deu lugar à diplomacia de caridade da potência hegemónica para com os seus protectorados» e no que revela de incapacidade para a compreensão dum fenómeno sistémico como a crise global onde se insere a crise da Zona Euro.

Mesmo que Vítor Gaspar esteja a contar já com o efeito dinamizador da decisão de Berlim levando a que «Banco estatal alemão empresta até 10 mil milhões a PME ibéricas» ou com o mais recente anúncio originado de Paris assegurando que a «França ajuda Portugal a criar nova agência pública financeira», afirmar que tal será sentido até final do ano é um puro absurdo científico, inadmissível num técnico com a sua reputação. A chegada ao tecido empresarial duma pequena fracção dos 10 mil milhões (valor destinado não apenas a Portugal mas ao conjunto da Península Ibérica e quase certamente alargado à Grécia) demorará tanto mais quanto esse tecido apresenta níveis de fragilidade – descapitalização e quase inexistência de mercados –, factores que os bancos (alemães ou nacionais) não deixarão de ponderar e que desaconselham qualquer acréscimo de endividamento.

O único verdadeiro sinal de esperança em tudo isto é a notícia de que estará o «Banco estatal alemão disposto a conceder crédito e entrar em capital de empresas portuguesas», uma vez que revela algum sentido da verdadeira dificuldade do tecido empresarial português – a já referida escassez de capitais próprios – e, quiçá, essa intenção possa despertar outras iniciativas no âmbito do capital de risco em detrimento do recurso ao ineficaz sistema tradicional de crédito.

Mesmo assim, sabendo-se que o crescimento (jargão que volta a ser moda, por via da evidente degradação das economias europeias ou quando já se antecipa que a «Zona euro é a maior ameaça à recuperação da economia mundial») numa economia não resulta apenas da existência de capitais disponíveis ou de incentivos fiscais, antes da conjugação daqueles factores com a percepção que as empresas fazem da evolução do mercado e da sua capacidade para remunerarem esses capitais adicionais, é de recear que o gatilho de Gaspar tenha voltado a disparar tiros de pólvora seca.

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