Após um
primeiro, tímido, arrepiar de caminho, quando o «FMI
reconhece que calculou mal o impacto da austeridade na economia» (ver o “post” «OFICIAIS
E POPULARES») e desde que estalou a polémica em
torno do “erro de Rogoff” (explicada no “post”
«ACONTECE»)
que dificultou a sustentação do dogma da virtuosidade da
austeridade-expansionista, eis que novamente o «FMI
admite "erros graves" no resgate à Grécia».
Apesar do esforço para circunscrever aquela apreciação ao caso grego –
como sucedeu com um entrevista radiofónica (conforme noticiou o
EXPRESSO) onde o economista-chefe
do FMI «Olivier Blanchard admite perda de tempo com
resgate da Grécia» – dificilmente a opinião pública deixará de
estabelecer comparações com outros estados da Zona Euro.
E faz bem, porquanto o que se assistiu na abordagem
da crise da Zona
Euro foi à aplicação dum modelo de actuação que pouco se distinguiu dos casos
anteriores que mereceram a intervenção do FMI. Sem querer voltar aqui ao
histórico das suas actuações, sempre recordo que desde 1990 estas se têm
pautado pela adopção do chamado Consenso de Washington – conjunto de
medidas composto por dez regras básicas: disciplina fiscal; redução dos gastos
públicos; reforma tributária; livre formação das taxas de juro e de câmbios; abolição
de barreiras comerciais (pautas aduaneiras); eliminação de restrições ao investimento
estrangeiro directo; privatização das empresas públicas; desregulamentação
(afrouxamento das leis económicas e trabalhistas); direito à propriedade
intelectual, formulado por economistas do FMI, do Banco Mundial e do
Departamento do Tesouro dos EUA e fundamentadas num texto do economista John
Williamson, do Peterson Institute for International Economics – que passou a constituir a receita para
promover o "ajustamento
macroeconómico" dos países em desenvolvimento que atravessassem dificuldades.
Embora de quando em vez a imprensa refira a existência de algumas
divergências entre os membros da “troika”,
o certo que estes sempre afirmaram o primado dos princípios neoliberais
subjacentes à prática do FMI, pelo que até as divergências que parecem
ressaltar quando o comissário europeu Olli «Rehn
acusa FMI de querer "sacudir a água do capote"» ou, o
ex-presidente do Eurogrupo, Jean-Claude «Junker
admite erros no resgate à Grécia» devem ser encaradas com as devidas
reservas.
No essencial o
erro do FMI – e dos restantes parceiros da “troika”
– não se reduz ao caso grego nem ao simples facto de não terem de imediato
optado por uma solução de renegociação daquela dívida, nem a uma submissão a
ditames políticos (como parecem sugerir as declarações de Blanchard de que «…a Grécia deveria ter estado disposta a
renegociar a dívida à partida, poder sair da crise mais facilmente, mas no
contexto europeu da época, as condições não estavam ainda reunidas para isso...»);
o erro resulta de duas origens diversas, a saber: a natureza dogmática das
opções neoliberais e a incapacidade para entenderem que o cerne do Consenso de
Washington – uma política de desvalorização cambial – era inaplicável num
quadro macroeconómico onde a economia a intervencionar não dispõe de moeda
própria.
A debilidade técnica dos especialistas da “troika” é confrangedora ao ponto do mesmo Olivier
Blanchard ter começado por reconhecer a ausência de pragmatismo na abordagem da
situação grega para mais tarde argumentar que «Fizemos o nosso melhor no nosso
tempo, não aplicamos uma doutrina no FMI, aplicamos pragmatismo a uma realidade
extraordinariamente complexa»,
mas sem nunca reconhecer que a opção por uma política de desvalorização
salarial, em alternativa ao clássico recurso a políticas de desvalorização
cambial impossível de aplicar no seio duma união monetária, resultou numa quase
asfixia económica, que agora recusam admitir e encarar.
Se a
esta situação adicionarmos o histórico de fracassos económicos e sociais
associados às intervenções do FMI e o erro na estimativa do
efeito recessivo das políticas de consolidação orçamental (a já referida
subavaliação dos efeitos do multiplicador orçamental) teremos um quadro mais
completo da confrangedora ausência de competência e de seriedade dos “técnicos”
e dos “políticos” a quem se tem entregado a condução dos destinos dos 500 mil milhões
de cidadãos europeus.
Considerando
que a sua principal tarefa continuará a ser a de assegurar o máximo retorno para
os credores internacionais, poderão ser tentados a enfileirar na linha que tem
vindo a defender como medida alternativa a renegociação das dívidas no que
continuará a constituir um logro, pois a simples renegociação (incluindo ou não
perdão parcial da dívida) não representará uma solução – como se pôde comprovar pelo reduzido efeito na economia grega do perdão parcial acordado em
2012 – se não incluir uma completa redefinição dos termos de funcionamento da
moeda única e a consagração do BCE como principal financiador dos orçamentos dos
estados da Zona Euro.
Sem comentários:
Enviar um comentário