Com a UE
mergulhada numa crise fabricada à medida dos interesses hegemónicos do dólar
norte-americano e com um número crescente dos seus estados-membros cada vez
mais preocupado com a resolução dos seus problemas internos (como se estes
pudesse miraculosamente desaparecer em contexto de autarcia e à revelia duma
solução integrada para a moeda que partilham) desenvolvem-se os sinais de
confronto entre a velha ordem (remanescente do período da guerra-fria e do
confronto leste-oeste, representada por organismos, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o FMI e o Banco
Mundial, criados no âmbito do Acordo de Bretton Woods) e o embrião duma nova
ordem onde obrigatoriamente a China e a Índia terão que ter uma voz activa e,
quiçá, determinante.
Nada disto
fará esquecer a dureza das políticas que governos europeus fervorosos
partidários das virtualidades das políticas de “austeridade expansionista”
tentam impor às populações, nem a realidade que estas políticas já não
conseguem esconder – a sua verdadeira finalidade não é (nunca foi…) a
anunciada, fosse ela o saneamento financeiro ou o relançamento do crescimento
por via do aumento da produtividade, mas sim uma desesperada tentativa – que é
a de garantir a perpetuação do modelo capitalista de concentração da riqueza
nas mãos duma minoria, tanto mais que os sinais que se avolumam no horizonte
global continuam um raro tratamento informativo adequado.
Para não
regressarmos ao Médio Oriente, palco onde se avolumam as ameaças físicas mais
concretas e que ponto de charneira entre um Ocidente em perca de força e de
capacidade de afirmação e um Oriente que se agiganta num poder material (mesmo
quando ainda não o projecta de forma evidente) e que a imprensa ocidental
persiste em vender sob o desgastado rótulo da defesa da democracia e da
liberdade (a mais moderada) ou o do combate ao terrorismo e ao jiahdismo
islâmico (a mais ortodoxa), proponho hoje uma rápida leitura pelas notícias que
anunciaram que o «Brasileiro
Roberto Azevedo será novo líder da OMC», dando assim conta do facto de pela
primeira na história daquele organismo internacional ver a sua liderança
entregue a um não europeu ou norte-americano.
Esta situação
já era conhecida há algumas semanas, depois que a corrida ficou reduzida a dois
candidatos, o brasileiro Roberto Azevedo e o mexicano Hermínio Blanco; se por
um lado parece confirmar a ideia da crescente importância e peso dos chamados
BRICS (conjunto de países cujas economias emergentes têm revelado assinaláveis
taxas de crescimento e é integrado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul) não pode deixar de ser encarada com óbvias cautelas, tanto mais que
outras “clivagens” – de que é paradigma a eleição do primeiro negro para presidente
dos EUA – revelaram que as aparências costumam ser bem mais ilusórias que a
realidade.
Em que medida
a substituição do francês Pascal Lamy por Azevedo determinará mudanças no
funcionamento e operacionalidade da OMC só o tempo o revelará, mas as expectativas
deverão ser forçosamente moderadas quando se conhece à partida que o candidato
derrotado teve o apoio explícito da UE e dos EUA e quando de pronto a imprensa
mais próxima do “establishment”
reagiu e chegou ao público que «New
York Times e FT fazem pressão sobre brasileiro na OMC».
O diplomata
Roberto Azevedo poderá ter as características que o recomendam para o cargo,
mas a realidade é que há algum tempo a OMC tem visto o seu papel diminuído e
sofre ainda hoje as consequências da sua origem no acordo pós-guerra que
originou o GATT e os efeitos do fracasso da última Ronda de Doha, que desde
2001 continua longe de alcançar qualquer resultado prático enquanto persistir o
bloqueio europeu e norte-americano (os campeões do livre comércio) à
eliminação/redução dos subsídios à sua agricultura. Minada por profundas
contradições e perdido o papel de ponta de lança do processo de globalização
(durante anos o GATT/OMC foi usado pelos EUA para impedir a entrada da ex-URSS
na economia mundial, facto que terá tido a sua importância no desmoronamento da
economia soviética) em benefício de organizações financeiras como o FMI e o
Banco Mundial, uma OMC sob nova liderança poderia ganhar um novo protagonismo
se o seu líder, formado entre outras na Universidade de Chicago, não estivesse
há muito “contaminado” pelo modelo de pensamento que predomina no ocidente.
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