sexta-feira, 10 de maio de 2013

UM BRASILEIRO NA OMC


Com a UE mergulhada numa crise fabricada à medida dos interesses hegemónicos do dólar norte-americano e com um número crescente dos seus estados-membros cada vez mais preocupado com a resolução dos seus problemas internos (como se estes pudesse miraculosamente desaparecer em contexto de autarcia e à revelia duma solução integrada para a moeda que partilham) desenvolvem-se os sinais de confronto entre a velha ordem (remanescente do período da guerra-fria e do confronto leste-oeste, representada por organismos, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o FMI e o Banco Mundial, criados no âmbito do Acordo de Bretton Woods) e o embrião duma nova ordem onde obrigatoriamente a China e a Índia terão que ter uma voz activa e, quiçá, determinante.


Nada disto fará esquecer a dureza das políticas que governos europeus fervorosos partidários das virtualidades das políticas de “austeridade expansionista” tentam impor às populações, nem a realidade que estas políticas já não conseguem esconder – a sua verdadeira finalidade não é (nunca foi…) a anunciada, fosse ela o saneamento financeiro ou o relançamento do crescimento por via do aumento da produtividade, mas sim uma desesperada tentativa – que é a de garantir a perpetuação do modelo capitalista de concentração da riqueza nas mãos duma minoria, tanto mais que os sinais que se avolumam no horizonte global continuam um raro tratamento informativo adequado.

Para não regressarmos ao Médio Oriente, palco onde se avolumam as ameaças físicas mais concretas e que ponto de charneira entre um Ocidente em perca de força e de capacidade de afirmação e um Oriente que se agiganta num poder material (mesmo quando ainda não o projecta de forma evidente) e que a imprensa ocidental persiste em vender sob o desgastado rótulo da defesa da democracia e da liberdade (a mais moderada) ou o do combate ao terrorismo e ao jiahdismo islâmico (a mais ortodoxa), proponho hoje uma rápida leitura pelas notícias que anunciaram que o «Brasileiro Roberto Azevedo será novo líder da OMC», dando assim conta do facto de pela primeira na história daquele organismo internacional ver a sua liderança entregue a um não europeu ou norte-americano.

Esta situação já era conhecida há algumas semanas, depois que a corrida ficou reduzida a dois candidatos, o brasileiro Roberto Azevedo e o mexicano Hermínio Blanco; se por um lado parece confirmar a ideia da crescente importância e peso dos chamados BRICS (conjunto de países cujas economias emergentes têm revelado assinaláveis taxas de crescimento e é integrado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não pode deixar de ser encarada com óbvias cautelas, tanto mais que outras “clivagens” – de que é paradigma a eleição do primeiro negro para presidente dos EUA – revelaram que as aparências costumam ser bem mais ilusórias que a realidade.

Em que medida a substituição do francês Pascal Lamy por Azevedo determinará mudanças no funcionamento e operacionalidade da OMC só o tempo o revelará, mas as expectativas deverão ser forçosamente moderadas quando se conhece à partida que o candidato derrotado teve o apoio explícito da UE e dos EUA e quando de pronto a imprensa mais próxima do “establishment” reagiu e chegou ao público que «New York Times e FT fazem pressão sobre brasileiro na OMC».

O diplomata Roberto Azevedo poderá ter as características que o recomendam para o cargo, mas a realidade é que há algum tempo a OMC tem visto o seu papel diminuído e sofre ainda hoje as consequências da sua origem no acordo pós-guerra que originou o GATT e os efeitos do fracasso da última Ronda de Doha, que desde 2001 continua longe de alcançar qualquer resultado prático enquanto persistir o bloqueio europeu e norte-americano (os campeões do livre comércio) à eliminação/redução dos subsídios à sua agricultura. Minada por profundas contradições e perdido o papel de ponta de lança do processo de globalização (durante anos o GATT/OMC foi usado pelos EUA para impedir a entrada da ex-URSS na economia mundial, facto que terá tido a sua importância no desmoronamento da economia soviética) em benefício de organizações financeiras como o FMI e o Banco Mundial, uma OMC sob nova liderança poderia ganhar um novo protagonismo se o seu líder, formado entre outras na Universidade de Chicago, não estivesse há muito “contaminado” pelo modelo de pensamento que predomina no ocidente.

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