sábado, 25 de maio de 2013

LEITURAS

Ainda que há muito presente na agenda político-económica e no quotidiano dos cidadãos, a mais recente cimeira europeia voltou a encontrar no seu centro o sistema financeiro e os múltiplos problemas que tem originado.


A pretexto duma iniciativa para o combate à fraude e à evasão fiscal que mais uma vez se ficou por isso mesmo, terá sido afinal a práxis e a complicada situação do sector financeiro a estar no cerne da discussão, ou não fosse este o seu principal intérprete (afinal são as instituições financeiras as grandes promotoras das transferências e do negócio de arbitragem fiscal) e maior beneficiário (por via das comissões de aconselhamento e assessoria cobradas). 

A par com com os bancos têm-se destacado as empresas especialistas em optimização fiscal (eufemismo para referir o recurso a sofisticados subterfúgios legais que invariavelmente inclui a multiplicação de empresas fictícias sediadas nos paraísos fiscais e a sua utilização em cascata), cuja actuação decorre sempre no exclusivo interesse dos seus clientes e na mais estrita legalidade, hipocrisia que em nada destoa da revelada pelo Reino Unido quando nas vésperas da Cimeira fez constar para a imprensa que o seu chefe de governo, o conservador David Cameron, iria apelar aos restantes líderes europeus que apoiem a troca de informações entre os países em matéria fiscal, como se não fosse na sua sacrossanta City que têm origem a maioria das estratégias colocadas à disposição das grandes empresas e dos seus donos, para concretizarem os “negócios” que a ONG OXFAM estimou na ordem dos 14 mil milhões de euros, nem no seu território se situasse um dos mais importantes paraísos fiscais (Jersey) segundo outra ONG, a Tax Justice Network (Rede para a Justiça Fiscal).

Estas empresas de assessoria fiscal (as principais são as bem conhecidas Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst & Young) e uma teia de paraísos fiscais têm assegurado que as multinacionais consigam pagar impostos irrisórios.


Ao contrário, nas palavras de Walter Wüllenweber – cujo artigo intitulado «Os reis da fuga» foi publicado na revista alemã STERN e no COURRIER INTERNATIONAL – os «Trabalhadores e consumidores não têm como fugir e são obrigados a pagar. A percentagem de impostos sobre os salários, o IVA e os impostos sobre os consumos de energia na receita do Ministério das Finanças quase duplicou desde 1960. No mesmo período a percentagem de imposto sobre os lucros caiu quase três quartos, equiparando-se ao montante de imposto cobrado sobre o tabaco».

Esta é apenas mais uma faceta das intrincadas relações entre o poder financeiro e o político que nos últimos anos têm servido invariavelmente para destruir o bem-estar da esmagadora maioria dos contribuintes e que desde meados de Março último (com o despoletar do resgate europeu ao Chipre e a polémica decisão de “cortar” todos os depósitos bancários daquela praça) é regularmente utilizado como parte do discurso de terror com o qual se visa “domesticar” os cidadãos.

O sistema financeiro europeu, como os congéneres das restantes regiões económicas, continuam a atravessar dificuldades constantes, fruto ainda do seu grau de exposição aos produtos derivados mais ou menos tóxicos que mercadejam entre si, pelo que qualquer outra perturbação, por mais pequena que seja, acaba invariavelmente por adquirir proporções preocupantes. Sem terem ainda logrado o regresso a um clima de confiança e de liquidez “inter pares”, como o que registavam antes da eclosão da crise do “subprime”, muitos dos bancos vivem em permanente risco de pane por escassez de capitais e da correspondente liquidez, facto que é persistentemente negado pelos responsáveis empresariais e políticos mas continuamente confirmado pelas pequenas notícias financeiras da imprensa económica.

Exemplo disso mesmo pode ler-se na imprensa nacional quando na sequência do encontro ente Vítor Gaspar e Wolfgang Schäuble foi informado que «Banco estatal alemão vai apoiar empresas portuguesas», numa clara resposta à constante reclamação de empresários e associações empresariais contra a escassez de crédito. 

Lida assim a notícia até se poderia aplaudir, quiçá classificá-la entre as iniciativas positivas para o relançamento económico; porém, leitura mais atenta pode resultar diferente, tanto mais que pouco tardou para que do sector empresarial se fizesse ouvir que «Crédito alemão nas PME é "bom" se for "verdade"», comentário que na prática significa que será bem-vindo se for mais barato… Considerando que este problema se prende não com os “bonitos olhos” dos empresários nacionais, mas sim com a desequilibrada situação económico-financeira das suas PME, desequilíbrio que só não constituiu óbice no período em que o refinanciamento bancário era fácil (a disponibilidade de capitais, nomeadamente alemães, era abundante e a ânsia por maiores lucros fazia esquecer o acréscimo evidente do risco) e barato, momento em que aos empresários descapitalizados eram “oferecidos”, em nome dos objectivos e da criação de valor para os accionistas dos bancos, financiamentos desnecessários e sobredimensionados.

Não menos preocupante é outra leitura da notícia, pressagiando a entrega ao banco público de fomento alemão KfW (Kreditanstalt fur Wiederaufbau, que significa Instituto de Crédito para a Reconstrução) dum poder de decisão sobre a economia nacional que se recusa ao banco público português; no limite esta opção pode configurar a resolução da sempre adiada questão da criação dum banco nacional de fomento, pese embora tenha sido noticiado que «Passos anuncia que carta de missão para a CGD se banco de fomento vai seguir em breve», facto que por si só e até completo conhecimento da decisão não altera o raciocínio. Com a externalização do centro de decisão financeiro do país para Bruxelas ou Berlim, a hipótese, mesmo que remota e refutada, de idêntico procedimento relativamente aos critérios da concessão de crédito não augura nada de bom salvo, talvez, uma melhoria num “ranking” de duvidosa qualidade onde se assegura que «Portugal está no top 5 europeu na compra de BMW, Mercedes e Audi»…

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