Ainda que há
muito presente na agenda político-económica e no quotidiano dos cidadãos, a
mais recente cimeira europeia voltou a encontrar no seu centro o sistema
financeiro e os múltiplos problemas que tem originado.
A pretexto
duma iniciativa para o combate à fraude e à evasão fiscal que mais uma vez se ficou por isso mesmo, terá sido afinal a práxis e a complicada situação do sector financeiro a estar no cerne da
discussão, ou não fosse este o seu principal intérprete (afinal são as
instituições financeiras as grandes promotoras das transferências e do negócio
de arbitragem fiscal) e maior beneficiário (por via das comissões de
aconselhamento e assessoria cobradas).
A par com com
os bancos têm-se destacado as empresas especialistas em optimização fiscal
(eufemismo para referir o recurso a sofisticados subterfúgios legais que
invariavelmente inclui a multiplicação de empresas fictícias sediadas nos
paraísos fiscais e a sua utilização em cascata), cuja actuação decorre sempre
no exclusivo interesse dos seus clientes e na mais estrita legalidade,
hipocrisia que em nada destoa da revelada pelo Reino Unido quando nas vésperas
da Cimeira fez constar para a imprensa que o seu chefe de governo, o
conservador David Cameron, iria apelar aos restantes líderes europeus que
apoiem a troca de informações entre os países em matéria fiscal, como se não
fosse na sua sacrossanta City que têm origem a maioria das estratégias
colocadas à disposição das grandes empresas e dos seus donos, para
concretizarem os “negócios” que a ONG OXFAM
estimou na ordem dos 14 mil milhões de euros, nem no seu território se situasse
um dos mais importantes paraísos fiscais (Jersey) segundo outra ONG, a Tax
Justice Network (Rede para a Justiça Fiscal).
Estas empresas
de assessoria fiscal (as principais são as bem conhecidas Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst
& Young)
e uma teia de paraísos fiscais têm assegurado que as multinacionais consigam
pagar impostos irrisórios.
Ao contrário,
nas palavras de Walter Wüllenweber – cujo artigo intitulado «Os
reis da fuga» foi publicado na revista alemã STERN
e no COURRIER INTERNATIONAL
– os «Trabalhadores e consumidores não
têm como fugir e são obrigados a pagar. A percentagem de impostos sobre os
salários, o IVA e os impostos sobre os consumos de energia na receita do Ministério
das Finanças quase duplicou desde 1960. No mesmo período a percentagem de
imposto sobre os lucros caiu quase três quartos, equiparando-se ao montante de
imposto cobrado sobre o tabaco».
Esta é apenas
mais uma faceta das intrincadas relações entre o poder financeiro e o político
que nos últimos anos têm servido invariavelmente para destruir o bem-estar da
esmagadora maioria dos contribuintes e que desde meados de Março último (com o
despoletar do resgate europeu ao Chipre e a polémica decisão de “cortar” todos
os depósitos bancários daquela praça) é regularmente utilizado como parte do
discurso de terror com o qual se visa “domesticar” os cidadãos.
O sistema
financeiro europeu, como os congéneres das restantes regiões económicas,
continuam a atravessar dificuldades constantes, fruto ainda do seu grau de
exposição aos produtos derivados mais ou menos tóxicos que mercadejam entre si,
pelo que qualquer outra perturbação, por mais pequena que seja, acaba
invariavelmente por adquirir proporções preocupantes. Sem terem ainda logrado o
regresso a um clima de confiança e de liquidez “inter pares”, como o que registavam antes da eclosão da crise do “subprime”, muitos dos bancos vivem em
permanente risco de pane por escassez de capitais e da correspondente liquidez,
facto que é persistentemente negado pelos responsáveis empresariais e políticos
mas continuamente confirmado pelas pequenas notícias financeiras da imprensa
económica.
Exemplo disso
mesmo pode ler-se na imprensa nacional quando na sequência do encontro ente
Vítor Gaspar e Wolfgang Schäuble foi informado que «Banco
estatal alemão vai apoiar empresas portuguesas», numa clara resposta à constante
reclamação de empresários e associações empresariais contra a escassez de
crédito.
Lida
assim a notícia até se poderia aplaudir, quiçá classificá-la entre as
iniciativas positivas para o relançamento económico; porém, leitura mais atenta
pode resultar diferente, tanto mais que pouco tardou para que do sector
empresarial se fizesse ouvir que «Crédito
alemão nas PME é "bom" se for "verdade"», comentário
que na prática significa que será bem-vindo se for mais barato… Considerando
que este problema se prende não com os “bonitos olhos” dos empresários
nacionais, mas sim com a desequilibrada situação económico-financeira das suas
PME, desequilíbrio que só não constituiu óbice no período em que o
refinanciamento bancário era fácil (a disponibilidade de capitais, nomeadamente
alemães, era abundante e a ânsia por maiores lucros fazia esquecer o acréscimo
evidente do risco) e barato, momento em que aos empresários descapitalizados
eram “oferecidos”, em nome dos objectivos e da criação de valor para os
accionistas dos bancos, financiamentos desnecessários e sobredimensionados.
Não
menos preocupante é outra leitura da notícia, pressagiando a entrega ao banco
público de fomento alemão KfW (Kreditanstalt fur Wiederaufbau, que significa Instituto
de Crédito para a Reconstrução) dum poder de decisão sobre a economia nacional
que se recusa ao banco público português; no limite esta opção pode configurar
a resolução da sempre adiada questão da criação dum banco nacional de fomento,
pese embora tenha sido noticiado que «Passos
anuncia que carta de missão para a CGD se banco de fomento vai seguir em breve»,
facto que por si só e até completo conhecimento da decisão não altera o
raciocínio. Com a externalização do centro de decisão financeiro do país para
Bruxelas ou Berlim, a hipótese, mesmo que remota e refutada, de idêntico
procedimento relativamente aos critérios da concessão de crédito não augura
nada de bom salvo, talvez, uma melhoria num “ranking” de duvidosa qualidade onde se assegura que «Portugal
está no top 5 europeu na compra de BMW, Mercedes e Audi»…
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