Ouvido o
anúncio oficial das medidas do mais recente pacote de cortes na despesa pública
– medidas que se aguardam desde que há quase um mês o Tribunal Constitucional
anunciou o chumbo de parte do OGE para 2013 – além da óbvia conclusão duma
total ausência de novidade na sua orientação política, ressalta a habitual
insensibilidade social e uma incómoda sensação de “déjà vu” ao ouvir referir medidas como a do aumento do horário de
trabalho dos funcionários públicos para as 40 horas semanais, da contribuição
dos trabalhadores para a ADSE, a redução da remuneração dos funcionários
públicos abrangidos pelo regime da mobilidade especial e o aumento da idade da
reforma na função pública.
Até um
observador menos atento poderia ser levado a concluir que não haveria
necessidade de demorar tanto tempo para anunciar “mais do mesmo”, isto quando
até já Manuela «Ferreira Leite diz que “andamos a fazer sacrifícios
em nome de nada”». Mesmo descontado o facto da senhora ainda não
ter perdoado a derrota que Passos Coelho lhe infligiu no PSD, a sua observação
contem muito de realista, tanto mais que se baseia em constatações claras como
a de que o recente Documento
de Estratégia Orçamental (DEO) contém orientações contraditórias com as medidas
de estímulo ao crescimento económico recentemente apresentadas.
O radicalismo ideológico de Passos Coelho, Vítor Gaspar e Paulo Portas (sim
porque na realidade Paulo Portas tem apoiado as decisões) não se resume às
opções de cortes mais ou menos cegos, manifestando-se numa evidente
incapacidade para ouvir até as vozes mais moderadas dos interesses internos que
representa.
É assim, surdo
aos avisos dos próprios amigos e correlegionários, que Poiares Maduro, o recente ministro
adjunto e do Desenvolvimento Regional, pretende que o «Governo
tem propostas, mas está aberto à negociação», precisamente quando o FINANCIAL TIMES escrevia que «austeridade
polariza cada vez mais o país». O correspondente em Lisboa daquele jornal
descreve num artigo (o
original pode ser lido aqui) que o Governo português, continuando a
defender uma política de rápida consolidação fiscal, planeia estender a
austeridade por mais quatro anos através do corte de mais de 6 mil milhões de
euros que atingirão o sector público, os pensionistas e reduzirão os benefícios
nas áreas da saúde, educação e segurança social, enquanto ignora os apelos
europeus contra a austeridade, o sentimento popular interno e até algumas vozes
dos partidos da coligação governamental.
Dilapidando a sua própria base interna
de sustentação e assumindo-se de forma cada vez mais clara como um mero
executor dos interesses dos credores externos (leia-se a finança
internacional), o governo de Passos Coelho arrisca-se a um doloroso processo de
auto decapitação enquanto arrasta o País em direcção ao abismo garantido dum
segundo resgate internacional.
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