Não deixa de ser curioso que num momento em que no
interior do espaço da UE cada vez se levanta mais a questão dos efeitos da
actual crise no sistema democrático, cheguem da vizinha Suíça sinais da clara
vitalidade do seu modelo de democracia participativa, expressos na realização
dum referendo de iniciativa popular, da qual resultou que a «Suíça
aprova limites para salários abusivos dos patrões».
Na prática os
helvéticos foram chamados a pronunciar-se sobre uma questão que desde a
extensão da crise do “subprime” à
economia real tem ganho relevância particular e em especial sempre que são
noticiados os prémios anuais dos CEO’s das grandes empresas e fizeram-no não
por iniciativa dos seus representantes políticos mas em resultado duma
iniciativa particular.
Não fosse a
possibilidade constitucional de grupos de cidadãos poderem despoletar processos
de referendo e a sua nomenclatura política, à semelhança das congéneres vizinhas,
manter-se-ia indiferente à questão e indisponível para afrontar aqueles que
cada vez mais se perfilam como os interesses que os movem.
Mais
importante que o assunto referendado – e ateste-se a sua relevância quando na
passada semana foi notícia que a «UE
acorda limitação dos bónus na banca» – parece-me de destacar a importância
da existência legal de formas concretas de participação política dos cidadãos e
apetece mesmo deixar uma questão: como seria em Portugal se uma pequena parte
das centenas de milhares de manifestantes (quantificação propositadamente vaga
para não alimentar a polémica dos números) que no último Sábado engrossaram as
manifestações contra a política do actual governo, subscrevessem uma proposta
de alteração de política?
A ausência de
tal hipótese, a par como tudo o que nas últimas décadas foi feito para
desmobilizar e desmotivar a participação política activa dos cidadãos, é, como
facilmente se demonstra, do rigoroso interesse das elites políticas (e dos
interesses que estas representam), pois ao coarctar qualquer iniciativa popular
assegura, automaticamente, a dupla finalidade de perpetuar no poder as mesmas
elites e de desmotivar qualquer veleidade de oposição não organizada nos moldes
tradicionais. O pior é que a solução não resolve afinal a mobilização popular
alimentada por genuínos sentimentos de revolta, que os poderes estabelecidos receiam
de sobremaneira e que no extremo pode até converter-se no pesadelo extremo duma
sublevação popular.
Isso mesmo
poderá já integrar, subliminarmente, a mensagem dirigida por Marcelo Rebelo de
Sousa ao governo de Passos Coelho, quando no rescaldo das manifestações da
véspera, aquele disse perante as câmaras da TVI que o «Governo
“vai ser obrigado a mudar de política”», o mesmo se podendo dizer dos
resultados duma sondagem sobre a questão da Reforma do Estado, realizada pelo CESOP/UCP,
para o DN, JN, Antena 1 e RTP e da qual se conclui uma completa oposição às
medidas tomadas e anunciadas pelo actual governo.
Basta aliás
olhar para o gráfico onde se comparam as diversas opções para o corte dos
anunciados 4 mil milhões de euros (o tal número mágico que nem o Governo nem a
“troika” parecem capazes de explicar
a origem e a dimensão) …
…para se
concluir que a esmagadora maioria dos entrevistados manifesta opinião
absolutamente contrária à que tem sido a estratégia do governo de Passos
Coelho.
Claro que as
sondagens têm um valor muito relativo face aos referendos, mas ainda assim
merece que se destaque o facto dos inquiridos se manifestarem claramente a
favor da fixação da idade da reforma entre os 60 ou os 65 anos (80% escolheram
uma das duas hipóteses) e contra a privatização integral dos sistemas de
protecção social; apenas 5% defenderam semelhante hipótese, contra os 54% que
declararam que esta se deveria manter exclusivamente na esfera pública.
Em jeito de
conclusão bem se poderia dizer que uns referendam, proporcionando maior
intervenção e responsabilidade aos cidadãos, enquanto outros sondam…
...(até quando
das sondagens resulta que «Portugueses
querem referendo para decidir reforma do Estado») e assim continuarem a
servir interesses espúrios!
Sem comentários:
Enviar um comentário