sábado, 16 de março de 2013

FUMO NEGRO


Há muito desisti de contar o número de reuniões, cimeiras e demais conciliábulos organizados ou patrocinados pelos altos responsáveis europeus para debaterem e gizarem soluções para a actual crise.

Nem por influência de ventos soprando dos lados do Vaticano era expectável que da cimeira desta semana saísse qualquer fumo branco, tanto mais que antes do início era conhecido o seu objectivo minimalista de preparar a próxima cimeira de Junho. Por outras palavras, os líderes europeus reuniram-se em alegre convívio e não menos amena cavaqueira para combinarem o que voltarão a falar daqui por três meses.


É certo que o número de membros da UE torna cada vez menos exequível e prática a regra do consenso, mas não é menos verdade que parte importante dessa disfuncionalidade deriva também da patente inépcia das actuais lideranças que, oriundas de princípios egocêntricos e perdidas nas suas próprias contradições, dificilmente entendem o conceito de interesse comum.

Há muito que neste espaço venho levantando a questão da indispensabilidade da mudança radical de paradigma como via adequada para enfrentar a crise europeia. Talvez o discurso careça duma fluência que não possuo, mas o facto é que começa a ser cada vez mais regular ler na imprensa nacional outros autores a expressarem ideias análogas; destaque-se entre estes o recente artigo de Gustavo Cardoso no PUBLICO, no qual a propósito da ideia de «Resgatar o resgate», o autor conclui que «O modelo está esgotado e precisa de ser refeito e isso só pode ser realizado com pessoas que o assumam, que conheçam porque falhou e que estejam dispostos a criar os seus futuros e não por quem se sinta mais confortável com o regresso ao passado».

É claro que para os nossos governantes, vozes deste quilate não deverão chegar aos céus (felizmente a de Gustavo Cardoso lá consegue chegar a letra de imprensa) e pelo contrário o que importa é manter a integralidade do seu discurso dogmático, assegurando previamente que o esperado «Tom pró-economia na UE não inverterá rumo em Portugal», mesmo quando se confirma na reunião de Bruxelas que o «Conselho Europeu vai privilegiar “consolidação amiga do crescimento”», para mais quando recentemente nos foi dado ler no NEGÓCIOS que até já um «Estudo do FMI diz que austeridade pode fazer subir a dívida pública» ou que o «IFI[1] diz que recuperação económica da Grécia é difícil sem alívio de austeridade».

Que até sob os negros céus duma Europa fragilizada e errática se ouvem com maior frequência dúvidas sobre o método de abordagem da crise, comprova-se num comentário de Martin Taylor nas páginas do FINANCIAL TIMES, citadas pelo ECONÓMICO quando refere que «Ex-CEO do Barclays descreve crise portuguesa no Financial Times» dizendo que Portugal é «…um país onde os "residentes estão sem dinheiro", as auto-estradas "construídas com fundos comunitários estão desertas", com o tráfego desviado para as velhas estradas, sem portagens. É um país "onde tudo está à venda e ninguém compra nada"», nada que espante os que cá vivem nem tenha arrancado de quem nos governa, no decurso da cimeira, mais que uma vaga declaração de circunstância com aquela onde «Passos reconhece necessidade de medidas de curto prazo» para atenuar os efeitos da crise, talvez do género do «Impulso Jovem», programa que a coberto da oferta de estágios de formação mais não faz que fornecer mão-de-obra barata às empresas e que até o «Governo reconhece que programa Impulso Jovem teve um “desempenho deficiente” até agora».

Serão precisas ainda mais palavras sobre as fragilidades (pessoais e políticas) das elites europeias que nos governam, quando no rescaldo da última reunião do Eurogrupo (é verdade, em quase simultâneo com a cimeira decorreu uma muito pouco noticiada reunião dos ministros das finanças) surgiu o anúncio da aprovação duma linha de «Dez mil milhões para salvar o Chipre da bancarrota» - prontamente complementada pela notícia de que o «Resgate ao Chipre faz subir impostos sobre depósitos e empresas» mediante a aplicação duma taxa extraordinária sobre o saldo dos depósitos bancários, imposição do Eurogrupo a pretexto do combate ao branqueamento de capitais e à semelhança do anteriormente exigido à Grécia - apesar de ainda na passada semana o ministro cipriota das finanças, Michalis Sarris, ter manifestado publicamente a posição de «Chipre contra imposição de perdas a depositantes privados» e após aquele anúncio ainda não ter apresentado a sua demissão?


[1] Sigla do Instituto da Finança Internacional (IIF em inglês) é uma associação das instituições financeiras (espécie de órgão de “lobby” global do sistema financeiro) que esteve particularmente activa no recente processo de renegociação da dívida grega.

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