Há muito
desisti de contar o número de reuniões, cimeiras e demais conciliábulos
organizados ou patrocinados pelos altos responsáveis europeus para debaterem e
gizarem soluções para a actual crise.
Nem por
influência de ventos soprando dos lados do Vaticano era expectável que da cimeira
desta semana saísse qualquer fumo branco, tanto mais que antes do início era
conhecido o seu objectivo minimalista de preparar a próxima cimeira de Junho.
Por outras palavras, os líderes europeus reuniram-se em alegre convívio e não
menos amena cavaqueira para combinarem o que voltarão a falar daqui por três
meses.
É certo que o número
de membros da UE torna cada vez menos exequível e prática a regra do consenso,
mas não é menos verdade que parte importante dessa disfuncionalidade deriva
também da patente inépcia das actuais lideranças que, oriundas de princípios
egocêntricos e perdidas nas suas próprias contradições, dificilmente entendem o
conceito de interesse comum.
Há muito que
neste espaço venho levantando a questão da indispensabilidade da mudança
radical de paradigma como via adequada para enfrentar a crise europeia. Talvez
o discurso careça duma fluência que não possuo, mas o facto é que começa a ser
cada vez mais regular ler na imprensa nacional outros autores a expressarem
ideias análogas; destaque-se entre estes o recente artigo de Gustavo Cardoso no
PUBLICO, no qual a propósito da ideia de «Resgatar
o resgate», o autor conclui que «O
modelo está esgotado e precisa de ser refeito e isso só pode ser realizado com
pessoas que o assumam, que conheçam porque falhou e que estejam dispostos a
criar os seus futuros e não por quem se sinta mais confortável com o regresso
ao passado».
É claro que
para os nossos governantes, vozes deste quilate não deverão chegar aos céus
(felizmente a de Gustavo Cardoso lá consegue chegar a letra de imprensa) e pelo
contrário o que importa é manter a integralidade do seu discurso dogmático, assegurando
previamente que o esperado «Tom
pró-economia na UE não inverterá rumo em Portugal», mesmo quando se confirma
na reunião de Bruxelas que o «Conselho
Europeu vai privilegiar “consolidação amiga do crescimento”», para mais quando
recentemente nos foi dado ler no NEGÓCIOS
que até já um «Estudo
do FMI diz que austeridade pode fazer subir a dívida pública» ou que o «IFI[1] diz que recuperação
económica da Grécia é difícil sem alívio de austeridade».
Que até sob os
negros céus duma Europa fragilizada e errática se ouvem com maior frequência
dúvidas sobre o método de abordagem da crise, comprova-se num comentário
de Martin Taylor nas páginas do FINANCIAL TIMES, citadas pelo ECONÓMICO quando refere que «Ex-CEO
do Barclays descreve crise portuguesa no Financial Times» dizendo que
Portugal é «…um
país onde os "residentes estão sem dinheiro", as auto-estradas
"construídas com fundos comunitários estão desertas", com o tráfego
desviado para as velhas estradas, sem portagens. É um país "onde tudo está
à venda e ninguém compra nada"», nada que
espante os que cá vivem nem tenha arrancado de quem nos governa, no decurso da
cimeira, mais que uma vaga declaração de circunstância com aquela onde «Passos
reconhece necessidade de medidas de curto prazo» para atenuar os efeitos da
crise, talvez do género do «Impulso
Jovem», programa que a coberto da oferta de estágios de formação mais não
faz que fornecer mão-de-obra barata às empresas e que até o «Governo
reconhece que programa Impulso Jovem teve um “desempenho deficiente” até agora».
Serão precisas
ainda mais palavras sobre as fragilidades (pessoais e políticas) das elites
europeias que nos governam, quando no rescaldo da última reunião do Eurogrupo
(é verdade, em quase simultâneo com a cimeira decorreu uma muito pouco
noticiada reunião dos ministros das finanças) surgiu o anúncio da aprovação
duma linha de «Dez mil milhões para salvar o Chipre da bancarrota»
- prontamente complementada pela notícia de
que o «Resgate
ao Chipre faz subir impostos sobre depósitos e empresas» mediante a
aplicação duma taxa extraordinária sobre o saldo dos depósitos bancários,
imposição do Eurogrupo a pretexto do combate ao branqueamento de capitais e à
semelhança do anteriormente exigido à Grécia -
apesar de ainda na passada semana o ministro
cipriota das finanças, Michalis Sarris, ter manifestado publicamente a posição
de «Chipre contra imposição de perdas a depositantes
privados» e após aquele anúncio ainda não ter apresentado a sua
demissão?
[1] Sigla do Instituto
da Finança Internacional (IIF em inglês) é
uma associação das
instituições financeiras (espécie de órgão de “lobby” global do sistema financeiro) que esteve particularmente
activa no recente processo de renegociação da dívida grega.
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