Escusado será
dizer que o tema incontornável dos últimos dias tem sido a polémica solução
proposta para o resgate a Chipre.
Quase todos os
comentadores parecem unânimes em classificar a solução como perigosa, incluindo
aqueles que sempre se mostraram apoiantes das soluções do tipo “austeridade
expansionista”. O absurdo da proposta de taxação dos saldos dos depósitos
bancários em Chipre é tal que até os mais ortodoxos monetaristas se mostram
escandalizados com uma solução que põe gratuitamente em risco o sistema
financeiro. Epítetos não têm faltado por essa imprensa fora, mas talvez o que
melhor retrata aquele sentimento seja o que encontrei no THE ECONOMIST onde claramente se descreve
a ideia de poupar uns 6 mil milhões de euros à custa dum imposto sobre os
saldos das contas bancárias, como injusta, míope e autodestrutiva (Unfair,
short.sighted and self-defeating) uma vez que reacende a delicada questão
do contágio às restantes economias da Zona Euro e fomenta uma corrida aos
levantamentos, exaurindo ainda mais os já muito desequilibrados balanços do
sistema bancário.
Refira-se que
a estratégia gizada foi defendida pelo Ecofin como via para “combater” o
presumível uso dos bancos cipriotas para a lavagem de dinheiro originário da
Rússia (asserção a que não deverá ser estranho o facto de até Fevereiro deste
ano o país ter sido governado por um partido de pendor comunista, o AKEL), mas
que em lugar de penalizar os accionistas dos bancos – afinal os últimos
beneficiários dum eventual sistema de lavagem de dinheiro – optou por uma
solução de esterilização dos rendimentos dos depósitos, que teve como primeira
reacção conhecida uma «Corrida
aos bancos no Chipre» e, comprovando que a famigerada crise do Euro é bem
mais vasta e se joga em múltiplos tabuleiros, eis que, conforme noticia o EXPRESSO,
o gigante russo do sector energético «Gazprom
oferece-se para resgatar Chipre», a troco dum seguramente vantajoso
contrato de exploração das reservas de gás natural nos mares cipriotas.
Depois das
ensaiadas estratégias de desvalorização interna por via da redução de salários
e pensões (há semelhança do aplicado na Grécia, Irlanda e Portugal), eis que os
seus promotores resolveram inflectir o modo de abordagem e optaram agora por
“desvalorizar” as poupanças. Independentemente de tudo indicar que o resultado
desta opção não deverá diferir muito das recessões económicas que resultaram do
primeiro, a medida agora anunciada e que ainda carece de aprovação parlamentar
cipriota (sempre os malditos dos processos democráticos a interferirem nas
ideias brilhantes), foi prontamente criticada por analistas e comentadores por,
dizem, que irá abalar a confiança no sistema financeiro e que a nova «taxa
pode levar à fuga de depósitos dos países periféricos».
Sem querer
escamotear a dimensão da verdadeira enormidade que constitui o confisco (porque
é disso que se trata) duma percentagem das poupanças cipriotas, mesmo quando se
admite que o «Governo
cipriota tenta alterar taxas sobre depósitos bancários», sempre recordo que
os que agora rasgam as roupagens e arrancam os cabelos em sinal de indignação são
os mesmos factótums que, se não aplaudiram, silenciaram idêntico abuso
praticado sobre os rendimentos das famílias (através das reduções salariais
aplicadas pelos governos grego, irlandês e português) às ordens dos mesmos que
agora têm os cipriotas sob a mira.
Falar agora a
propósito da taxa sobre os depósitos na quebra do contrato social ou deixar
avisos, como fez Cavaco Silva, de que «A
Europa “está a trilhar caminhos muito perigosos” em Chipre», quando
idêntica ou pior medida incidindo sobre os rendimentos do trabalho (salários e
pensões) foi aplaudida ou aceite em silêncio, não pode deixar de ser denunciada
pela hipocrisia que encerra, nem criticada por ter aberto a via a este novo
passo, tanto mais que constitui agora o duplo perigo de poder vir a ser
aplicada aos que já sofrem reduções em salários e pensões (o I não se coibiu de
escrever que «Portugal
pode vir a pagar impostos sobre a poupança») e que nem a beatífica
afirmação pelo Governador do Banco de Portugal de que os «Portugueses
podem estar tranquilos porque taxa sobre depósitos não é transponível para
outros países» pode se encarada como fiável.
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