Enquanto na
Casa Branca eram dados os últimos retoques na visita oficial a Israel do
presidente Obama, eclodia no Mediterrâneo Oriental, bem próximo daquele país,
novo episódio na já longa crise que atravessa a Zona Euro.
Depois dos
acontecimentos de 2009 na vizinha Grécia, que ditaram um primeiro resgate e a
aplicação da tradicional receita austeritária, a qual resultou na confirmação
dos piores receios e teve que ser seguido em 2012 dum segundo resgate, de mais
medidas de austeridade (não há como insistir em políticas comprovadamente
falhadas para assegurar o fracasso final) e dum plano de perdão parcial da
dívida acumulada, eis que um dos seus efeitos faz-se sentir agora na vizinha
economia cipriota cujo sistema financeiro foi fortemente abalado pelo perdão
acordado à Grécia.
Num pequeno
território – dividido desde 1974 por uma disputa territorial com a também
vizinha Turquia – com uma economia particularmente débil, geradora dum PIB de
18 mil milhões de euros, tem no turismo e num sistema financeiro fortemente
alavancado as suas principais actividades – que fruto de legislação
particularmente atractiva cresceu, ao que se diz à custa de elevados depósitos
oriundos da Rússia, do Médio Oriente e do reino Unido, até equivaler cerca de 7
vezes aquele PIB –, exposto à especulação imobiliária e à dívida pública grega
cujo abalo valeram a ameaça de colapso do seu sistema financeiro.
Perante a
catástrofe e para socorrer os seus bancos, o governo cipriota pediu a ajuda a
uma UE que, convicta do seu papel moralizador e sob o argumento de que a
economia cipriota prosperou graças a um enorme esquema de lavagem de dinheiro
russo e árabe (situação que em 2004 não condicionou a sua adesão à UE),
respondeu através do Ecofin condicionando o resgate a um máximo de 10 mil
milhões de euros e à imposição duma taxa sobre os depósitos bancários.
Reagindo em
defesa dos pequenos depositantes (ou usando-os como pretexto) o parlamento
cipriota recusou o acordo e novamente a UE recorreu a uma estratégia de
chantagem, quando o «BCE lança "ultimato" a Chipre»,
confirmada uns dias mais tarde quando «Merkel avisa Chipre para não por à prova a
paciência da troika». Mesmo
agora, quando o «Eurogrupo aprova plano da troika que evita
bancarrota de Chipre», numa versão
mais orientada para a reestruturação do sector bancário (comprovando mais uma
vez onde se situa a verdadeira origem da crise), garantindo a protecção dos
depósitos até 100 mil euros (conforme as normas comunitárias) mas, novidade, impondo
alguma penalização aos accionistas dos bancos (ver os «Oito
pontos do acordo que garante o resgate do Chipre»), pode com esta decisão
ter aberto um perigoso precedente e transformar-se facilmente num primeiro
passo para a desagregação do projecto europeu.
Não bastando
os preocupantes sinais de erosão do projecto europeu e na ausência de qualquer
definição geoestratégica da UE, assiste-se a um jogo bem mais complicado do que
nos querem revelar, pois enquanto num tabuleiro se desenrolava a meada tecida
numa catastrófica reunião de ministros das finanças, jogava-se noutro, com a
intervenção mais ou menos directa de Moscovo, uma parada bem mais elevada. E
embora não tenha tardado a notícia de que a «Rússia
recusa emprestar mais dinheiro a Nicósia», nem por
isso deixou de se ouvir que a «Rússia
lança ataques à UE por causa da crise no Chipre», fazendo crer na
possibilidade de intervenção dum novo jogador, tanto mais possível quanto são
conhecidos dois importantes factos na região: a existência de importantes
jazidas de gás natural nas águas territoriais cipriotas (facto já abordado no «post» «ASSALTO
CIPRIOTA») e uma possível alteração da geopolítica local que determine o
encerramento da base naval mediterrânica que os russos mantêm em Tartus (Síria).
De
forma ambígua e no auge da crise foi noticiado pelo EXPRESSO que Durão Barroso assegurou
que «UE
vai ouvir e ter em consideração preocupações russas»; enquanto aguardamos
para conhecer outros pormenores, a mesma fonte indicia que tal estará a ser
cumprido quando noticia que «Afinal
os russos podem ajudar Chipre», mesmo que para já apenas se refira uma
possível revisão das condições de antigos financiamentos e se desconheçam
outras contrapartidas.
Em resumo bem se pode afirmar que o cenário europeu está aberto ao mais
imprevisível dos desenvolvimentos, situação que partilha afinal com o vizinho
Médio Oriente.
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