sábado, 26 de março de 2016

APRENDER A PENSAR

Foi sem qualquer surpresa que li esta semana no NEGÓCIOS uma notícia revelando que os cursos de economia pecam por muita matemática e pouca reflexão, onde “[m]ais de um terço dos créditos das licenciaturas de Economia em Portugal é dedicado à matemática e à gestão, enquanto apenas 1,6% vai para cadeiras de ética, pensamento crítico e de teoria e história do pensamento económico”, considerando que se aplica de forma generalizada nos doze países observados.

Esta questão não é nova – há muito tempo se debate qual o campo onde se deve inserir a ciência económica: o das ciências sociais ou o das ciências exactas – mas ganhou nova visibilidade com o eclodir da crise sistémica e a constatação da incapacidade dos especialistas para a preverem e a combaterem.

A crescente redução da ciência económica aos pressupostos da modelização (técnica que recorre à elaboração de modelos econométricos para a avaliação de hipóteses) tem estado bem patente quer nas explicações de analistas e de mais especialistas quer nas soluções aplicadas para resolver crises como a das dívidas soberanas. Quem se esqueceu já da célebre folha de "Excel" de Vítor Gaspar e dos maravilhosos resultados de crescimento e bem-estar que proporcionou à esmagadora maioria dos portugueses? para não falar da espectacular redução dos desequilíbrios orçamentais e do endividamento público?

Eufemismos à parte, quem consegue entender o uso e abuso duma ferramenta de trabalho (sim, a econometria e os modelos econométricos são simples ferramentas de trabalho) e a sua transformação em deus ex machina pela simples recusa da avaliação crítica dos seus resultados?


Claro que boa parte das razões para a sobrevalorização da componente matemática derivam das inegáveis vantagens que oferece aos defensores da inexistência de alternativas (do tipo da enunciada por Cavaco Silva quando defende o postulado que duas pessoas com idêntica formação e igual informação alcançam sempre o mesmo resultado), mote consolidado pela queda do Muro de Berlim e pelos teóricos do “fim da história” (i.e. Samuel P. Huntington e Francis Fukuyama), mas causas internas ao próprio sistema de ensino também não são de desprezar, pois quer no nível superior quer nos que o antecedem a cultura da análise crítica é inexistente. E como se tal não bastasse importa ainda referir que é bem mais fácil ensinar “matemática” que ensinar “a pensar”, pelo que dificilmente assistiremos a uma alteração qualitativa no ensino/aprendizagem das ciências economias, por muitos e bons que sejam os esforços pessoais dalguns economistas ou de organizações como a «Economia Sem Muros».

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