sexta-feira, 1 de agosto de 2014

GRIEFAULT

Com a aproximação do dia 30 de Julho era esperada a notícia de que a «Argentina entrou em novo incumprimento», especialmente depois de conhecida a sentença onde um «Juiz americano proíbe Argentina de pagar dívida reestruturada».

Para quem não tenha acompanhado de perto o assunto, tudo começou quando um conjunto de fundos de risco (conhecidos como fundos abutre, por usarem recorrentemente a estratégia de adquirir dívida pública de Estados com graves problemas económicos, ou dívidas de empresas à beira da falência, na expectativa de conseguirem o reembolso pelo valor nominal), capitaneados pelo AURELIUS e o NML de Paul Singer, que comprara a preço de saldo dívida argentina vendida antes da reestruturação acordada em 2010, conseguiu que um tribunal norte-americano, presidido pelo juiz Thomas Griesa, proibisse o pagamento das obrigações reestruturadas, cujo vencimento ocorreu em 26 de Junho, sob o argumento que a Argentina tem que cumprir os termos iniciais do empréstimo.


Esta decisão, proferida no final de dez anos de litigância jurídica em benefício de 8% dos credores (pois é esse o montante da dívida não reestruturada) pelo Tribunal de Nova Iorque, ao abrigo do qual os contractos foram redigidos, impediu o pagamento a todos os restantes, incluindo os que foram denominados em euros e ienes.

A verdadeira dimensão desta decisão deverá ser avaliada com o conhecimento de que o governo argentino provisionara atempadamente a conta num banco nova-iorquino para a liquidação programada, mas que fracassadas as negociações impostas pelo tribunal a «Argentina falha acordo com fundos e entra em 'default'», situação que dificilmente servirá os interesses de credores e devedores, agravada ainda por uma decisão judicial que tornará mais difíceis futuras reestruturações (quem as aceitará sabendo que uma pequena minoria poderá inviabilizar todo o processo) ou fazer regressar cenários de sobreendividamento que pretenderam resolver.

Mais que esmiuçar aqui a estratégia de quem adquiriu títulos de dívida por valores inferiores a ¼ do seu valor e consegue agora ver aceite uma cláusula “pari passu” (expressão latina que significa "a par" e que em termos jurídicos significa igualdade de condições) que acaba por permitir a uma minoria de credores opor-se à maioria que aceitou a reestruturação, importa compreender que a negociação exigida pelo tribunal estava, desde o início, condenada ao insucesso; fosse pela defesa dos princípios que nortearam a reestruturação (a dívida argentina era demasiado elevada e impossível de pagar sem colocar em causa a economia nacional), fosse porque a popularidade deste conflito poderá proporcionar ganhos eleitorais nas eleições que se avizinham.

Esta situação de incumprimento forçado, já apelidada de “Griefault” (condensação do nome do juiz com a situação de “default”), merece atenção e acompanhamento para que dela se possam extrair as necessárias ilações, sendo que uma é desde já possível: não abdicar da soberania nacional num processo de reestruturação de dívida e, em especial não facilitar a litigância nos tribunais de origem dos credores.

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