Enquanto a
notícia do regresso aos bombardeamentos na Faixa de Gaza e ao espectáculo da
morte diária da população palestiniana sem qualquer hipótese de fuga dum
território cercado foi recebido em Washington com naturalidade, a divulgação do
vídeo da decapitação dum jornalista norte-americano capturado na Síria mereceu
a mais veemente condenação, com o presidente Obama a proferir declarações que o
“Estado
Islâmico não tem lugar no século XXI” e que “é um
cancro que deve ser extraído”.
Ao contrário
do que sugere administração Obama a barbárie subjacente aos dois não pode nem deve
ser escamoteada. Envolva um ou centenas de vítimas a violência gratuita devia
há muito encontrar-se erradicada, mas tal como uma doença que julgávamos
extinta, também o fanatismo e a intolerância parecem regressados para nos
atormentarem e usados para esconderem apenas uma realidade: no Médio-Oriente ou
no Leste europeu o que se pretende é apenas o controlo das reservas de
hidrocarbonetos ou das vias para o seu transporte.
Clama-se hoje
a partir de Washington contra o ISIS (o movimento jihadista que visa a
instalação dum califado muçulmano entre a Síria e o Iraque) enquanto se procura
fazer esquecer o apoio financeiro e material a esse mesmo movimento quando
serviu para tentar o derrube do regime sírio e para assegurar a deposição do
ex-líder líbio, Muammar al-Kadhafi. Tal como aconteceu com o apoio fornecido a
Bin Laden no combate à presença soviética no Afeganistão e no pretexto que os
atentados do 11 de Setembro forneceram para justificar as invasões do mesmo
Afeganistão e do Iraque, voltamos agora a assistir à mesma sucessão e tipo de
eventos, pelo que não será de estranhar se dentro em pouco ocorrer nova
movimentação militar na região.
Apesar de
horrendo e condenável, o acto agora perpetrado pelo ISIS apresenta-se carregado
dum simbolismo idêntico ao que ditou a escolha do alvo do 11 de Setembro e
constitui, enquanto acto de propaganda, um marco importante que a reacção
ocidental apenas ajuda a alimentar.
Responder ao
fanatismo “takfir” (expressão que
significa "aquele que renega a Deus" e que identifica uma
interpretação mais radical do islamismo, segundo a qual é legítimo matar todos
aqueles que recusem a conversão) dizendo do assassinato do jornalista que este morreu
em martírio pela liberdade equivale a usar argumentos quase tão radicais e
primários quanto os que se pretendem combater, para mais quando dentro da
própria comunidade islâmica se fizeram ouvir vozes, como a do mufti egípcio Shawki
Allam (ler
aqui no Huffington Post) ou a do sheik saudita Abdul-Aziz al-Sheik (ler
aqui no Yahoo), condenando aquele acto e classificando o ISIS como um
perigo para o Islão e para os muçulmanos. A opção por uma resposta musculada –
seja mediante o envio de forças militares para a região seja mediante o simples
recurso a meios aéreos – será uma repetição da estratégia de fragmentação da
zona, agravada com as administrações de Bush pai e Bush filho, e visando o
controlo das reservas de hidrocarbonetos e uma resposta ao recente anúncio de
que os «BRICS
criam banco para rivalizar com FMI e Banco Mundial», colocando em risco o
papel hegemónico do dólar norte-americano e fazendo perigar a continuação do
seu uso exclusivo como meio de pagamento do petróleo e dos seus derivados.
O regresso
militar à Mesopotâmia, implícito em declarações do Chefe de Estado-Maior das forças norte-americanas quando afirmou
que «"É preciso combater o Estado Islâmico também na
Síria"», a par com a continuação dos raides israelitas
sobre a Faixa de Gaza abre todas as perspectivas para a manutenção da
instabilidade numa região fulcral para as principais potências.
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