terça-feira, 5 de agosto de 2014

BES BOM-BES MAU

Depois de ter apresentado um volume recorde de prejuízos (3,57 mil milhões de euros), de ter visto a cotação em bolsa cair para valores históricos («BES fixa novo mínimo nos 10 cêntimos e já vale menos de 675 milhões») e quando era cada dez mais evidente que o «Mercado antecipa novos pedidos de protecção de falência no GES», a autoridade reguladora (CNVM) lá se decidiu pela suspensão da negociação daqueles títulos e o Banco de Portugal, depois de ter repetido até à exaustão que «“A situação de solvabilidade do BES é sólida”», lá acabou por anunciar o inevitável

Afastado o estigma da nacionalização mediante uma operação fantasma onde um «"Novo" BES recebe ajuda de 4,9 mil milhões de euros através do fundo de resolução» enquanto os accionistas e os activos tóxicos (leia-se os créditos ao GES) são separados para um “velho” BES que entrará em processo de falência. A “magia” financeira é realizada mediante recurso ao Fundo de Resolução (entidade participada por todos os bancos nacionais, que «vão fazer contribuição especial de 133 milhões para Fundo de Resolução») e reforçada com um financiamento público da ordem dos 4,4 mil milhões de euros, não sendo pois descabido afirmar que o «Fundo de Resolução é da banca mas vai usar dinheiro do Estado».

A solução da divisão entre “banco-bom” e “banco-mau” insere-se no modelo definido pela UE para enfrentar a crise financeira cipriota, mas na forma como foi anunciada por Carlos Costa deixa margem a justas e fundadas dúvidas. Se por um lado o isolamento dos activos tóxicos numa entidade da exclusiva responsabilidade dos accionistas do BES parece garantir que os prejuízos ficarão com quem avalizou a anterior equipa de gestão, por outro a pronta disponibilização de 4,4 mil milhões de euros de financiamento público pressagia dias cinzentos para a generalidade dos contribuintes, a menos que a tríade Carlos Costa (governador do Banco de Portugal, que deu a cara pela solução), Maria Luís Albuquerque (ministra das Finanças que teve de dar sua anuência à solução) e Vítor Bento (CEO do novo banco) consiga assegurar a venda do novo banco por um valor superior ao do crédito.

Dúvidas (e dívidas) são o que não tem faltado em todo este processo, quando continua longe de esclarecido porque foi permitido à família Espírito Santo continuar à frente da direcção do BES depois que foram conhecidas as primeiras irregularidades, porque se demorou tanto tempo a decidir a intervenção do Banco de Portugal, ou até se o apuramento das imparidades resultantes do cruzamento de empréstimos entre empresas do GES estará correcto e concluído. Igualmente por esclarecer e passível de óbvia suspeição de “inside trading” foi a meteórica passagem da Goldman Sachs pelo capital do BES, que levou o DINHEIRO VIVO a publicar que «Quem sobreviveu melhor ao naufrágio do BES? O Goldman Sachs», que poucos dias antes da suspensão da negociação das acções e da intervenção do Banco de Portugal vendeu qualquer coisa como 4 milhões de acções e que agora a notícia de que a «CMVM vai investigar negociação de acções do BES na sessão de sexta» mais parece uma operação de cosmética para disfarçar o indisfarçável.

Questão que também ficou esquecida no anúncio do Banco de Portugal são as condições de remuneração do empréstimo dos 4,4 mil milhões, única forma de sabermos se aquela taxa cobre ao menos o encargo que está a ser pago à “troika”, questão que seria respondida mais tarde pela ministra das Finanças quando afirmou que o «Estado cobra juros de 2,95% no empréstimo ao Novo Banco», valor que ficará, segundo a mesma fonte, 15 pontos base acima da taxa cobrada pela “troika, porque o risco é muito reduzido.

Argumento um pouco menos aleivoso que o invocado quando o «Banco de Portugal garante que contribuintes não perderão dinheiro no BES», que o mesmo é dizer que o “BES-bom” será vendido a prazo por um valor suficiente para a recuperação do financiamento; mas será? É que a menos de 48 horas do anúncio já o NEGÓCIOS se interroga (e bem) se o «Novo Banco vale 4,4 mil milhões de euros?» A pseudo-engenharia financeira montada pelo Banco de Portugal e pelo Ministério das Finanças apresenta falhas estruturais insanáveis que começam no primeiro momento da separação dos activos tóxicos (ninguém pode assegurar que estes foram integralmente transferidos para o “banco-mau”), continuam numa solução que inclui um elevadíssimo financiamento público e no pressuposto de que o seu reembolso será assegurado pela alienação do “banco-bom”. Para tranquilizar os espíritos mais inquisitivos (ou simplesmente mais informados), os responsáveis pela solução logo foram adiantando que a segurança dos contribuintes era total, pois se o valor de venda não chegar para o reembolso a diferença será assegurada pelos titulares do Fundo de Resolução (leia-se os bancos nacionais), que não dispondo de meios próprios para o efeito, recorrerão, como é óbvio, a quem terá que os resgatar para evitar o famigerado risco sistémico: o Estado.

Talvez por sobejo conhecimento de toda esta trapalhada e do medonho risco a que está a submeter o País, embalado no doce remanso dos seus congéneres europeus e mundiais que insistem em nada alterar na regulamentação dum sector financeiro que se revela cada vez mais o cerne de todos os problemas, o «Governo tenta passar pelos pingos da chuva no caso do BES» e começou por enviar para os holofotes da TV o governador do Banco de Portugal, figura de última linha na hierarquia da responsabilidade política, enquanto o primeiro-ministro permanece desaparecido para banhos nos algarves e o pusilâmine presidente da República se mantém mudo e quedo no seu cantinho.

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