Decorrido mais
de um mês desde o início da mais recente investida israelita sobre a Faixa de
Gaza e quando parece estabelecido mais um interregno proporcionador de
condições para o retomar dum confronto cada vez mais longe do seu epílogo, será
talvez a oportunidade de voltar à questão do conflito israelo-árabe e à versão
modernizada do David contra Golias, onde o moderno David faz evidente figura de
gigante todo-poderoso.
Esqueçamos a
versão oficializada nos livros sagrados; aquilo que hoje vemos desenrolar-se
diante dos nossos olhos, quando pela n-enésima vez o todo-poderoso exército
israelita invade a Faixa de Gaza (enclave palestiniano onde vivem mais de 1,8 milhões
de pessoas nuns estreitos 365 km2, ou seja quase 7 vezes a população
da Ilha da Madeira em cerca de metade daquele espaço) dando início a mais um
processo de destruição das parcas infraestruturas que existiam e as
significativas baixas entre a população civil, tem muito pouco a ver com a
sistemática invocação da necessidade de protecção.
Isto mesmo
parece ressaltar das cada vez mais veementes condenações proferidas pela comunidade
internacional, com especial destaque para a ONU (a instância internacional que
com o beneplácito norte-americano, Israel vem desrespeitando à décadas) que
desta vez e depois de repetidos bombardeamentos a escolas e outras instalações,
a «ONU
pede que Israel assuma responsabilidade por "crimes de guerra" em
Gaza», acusação posteriormente suavizada com a generalização de que «Israel
e Hamas estão a cometer crimes de guerra»; a condenação das duas partes isto
tinha acontecido em 2008, durante a Operação “Chumbo Fundido”, mas não há
registo de declaração como a proferida pelo secretário-geral da ONU que,
possivelmente num momento de fúria mal contida, afirmou peremptoriamente: «É
"crime", diz Ki-moon depois de Israel atingir a sétima escola em Gaza»
.
Ao longo das
semanas muitas foram as vozes que se fizeram ouvir em apelos à contenção e ao
fim dos bombardeamentos, justificados na perspectiva israelita pelo rapto e
posterior assassinato de 3 jovens israelitas, a par com o disparo de “rockets” artesanais a partir da Faixa de
Gaza.
Raramente
referido foi o facto daquele incidente ter ocorrido numa região da Cisjordânia,
território palestiniano distinto da Faixa de Gaza e sob gestão doutra força
política (desde a eleições de 2006 que a Cisjordânia é governada pela Fatah e a
Faixa de Gaza pelo Hamas) e da sanha vingativa israelita ter recaído sobre a
Faixa de Gaza, com um resultado que de momento se cifra em cerca de 1900
palestinianos mortos (maioritariamente civis não combatentes) e mais de 60
israelitas (quase exclusivamente militares), talvez por este território ser
governado pelo Hamas (movimento islâmico próximo da Irmandade Muçulmana) ou
pela razão, regularmente esquecida na imprensa ocidental, da existência de
jazidas de gás natural na plataforma marítima frontal ao território (uma
excepção foi este artigo
de opinião de Maria João Tomás).
Este
interesse (ao qual já me tinha referido em 2008, no “post” «A FUGA DE
GAZA») a par do interesse estratégico na instalação dum “pipeline” submarino entre Ceyhan (Turquia) e Ashkelon (Israel), no
Mediterrâneo, com ligação ao Mar Vermelho na localidade israelita de Eilat, infraestrutura que ligando ao oleoduto
Baku-Tbilisi-Ceyhan, contribuirá para reduzir a importância do Irão e do Iraque
como fornecedores de hidrocarbonetos à Índia e à China (ver o “post” «A
REALIDADE ALÉM DAQUILO QUE VEMOS», não foi seguramente esquecido em mais
este ataque a Gaza; a cimentar esta suspeição surgiu agora a notícia que o «Governo
acusa exército israelita de os querer demover de ocupar Gaza», no que
configura a aproximação duma nova escalada no conflito israelo-palestiniano.
Outro dado que
também contribui para a formulação de fracas expectativas de pacificação foi o
aparente sucesso palestiniano com a estratégia de lançamento simultâneo de
grande número de “rockets”, na
tentativa de ultrapassar o sistema antimíssil “Iron Dome” de Israel,
que deixou «O aeroporto de Telavive na mira dos rockets do Hamas»
e originou uma decisão inédita quando várias «Companhias aéreas suspendem voos para Telavive»; depois duma primeira manobra da mais elementar
contra-informação, quando foi noticiado que «Escudo
antimísseis Cúpula de Ferro infiltrado pelo exército chinês», o “amigo
americano” acabou por reconhecer a necessidade de actualizar o sistema e de
Washington lá chegou a informação que a administração «Obama
dá 168 milhões para escudo antimíssil» que deverá proteger Israel de futuros ataques.
Enquanto isto
e quando Israel parece ter dado como concluído o processo de destruição dos
túneis, afastada para já a hipótese de reocupação militar da Faixa de Gaza
(julgada demasiado cara dos pontos de vista militar, diplomático e financeiro),
com a permanência do bloqueio imposto ao território continua adiada qualquer
hipotética normalização (especialmente quando do lado israelita surgem
hipócritas declarações como a do primeiro-ministro «Netanyahu
diz querer ajudar povo de Gaza contra "tirania do Hamas"»)
no quotidiano duma população que regularmente se vê dizimada por um vizinho
poderoso que, nas palavras de Maria João Tomás. «…instigou
várias vezes os palestinianos a revoltar-se, mas esquece-se de que, enquanto
continuar a construir colonatos e a ameaçar a independência da Faixa de Gaza,
estas gentes terão sempre uma dívida de gratidão para com o Hamas, mesmo que
obriguem as suas filhas de 9 anos a casar com homens 40 anos mais velhos, e as
ponham a desfilar pelas ruas com os seus velhos maridos, para que não haja
dúvida de que é isto que espera a maioria das meninas da Faixa de Gaza. Os
dirigentes do Hamas são também acusados de enriquecer com os donativos enviados
para ajudar os palestinianos, deixando mais de 38% da população num estado de
quase miséria e sem instrução. Apesar de tudo, a população sujeita-se a todas
as suas exigências, porque eles são o garante da sua independência e da pouca
ajuda social e económica que recebem» (in «A
guerra em Gaza entre o Hamas e Israel»), que em última instância até
explica porque é que o «Hamas
impõe condições para trégua e ameaça voltar às armas».
Com uma
comunidade internacional cada vez mais apática, uma Liga Árabe fraccionada pelo
antagonismo entre sunitas e xiitas e uma Autoridade Palestiniana (entidade
liderada pela Fatah e que gere uma Cisjordânia quase tão asfixiada como a Faixa
de Gaza) ineficaz, o problema eterniza-se, os ódios acirram-se e os interesses
que habitualmente lucram com os conflitos continuam a facturar com a miséria
palestiniana.
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