Talvez ninguém
esperasse que dez dias passados sobre um banal incidente (infelizmente a
realidade norte-americana há muito nos habituou à rotina das mortes violentas,
até às mais inexplicáveis, como a dum jovem de 16 anos e desarmado,
que interpelado por perturbar o trânsito acaba mortalmente atingido por seis
disparos) no subúrbio de Ferguson as populações locais continuassem a sair à
rua reclamando justiça.
Múltiplas
serão as razões para que, após as primeiras noites de motins, Ferguson tenha
saltado para as primeiras páginas dos jornais acompanhando os habituais
cabeçalhos de violência e pilhagens; uma serão as
taxas judiciais que muitos residentes estão obrigados a pagar, a maioria
relacionadas com pequenas infracções mas que depressa entram numa escalada
preocupante, agora que o processo em curso de privatização da Justiça abriu à
iniciativa privada os procedimentos de cobrança, outra e uma
das principais, será o clima de desconfiança perante uma força policial
maioritariamente branca, situação a que as autoridades federais do Missouri
tentaram responder nomeando um natural do lugar e membro da comunidade para
chefiar a polícia, o capitão Ronald Johnson. Esta decisão
começou por ser bem recebida numa comunidade onde as tensões raciais permanecem
sempre latentes, dando lugar a uma acalmia nos ânimos.
Mas, pressionada
a esclarecer as condições da morte do jovem Michael e a identificar o autor dos
disparos, a polícia divulgou a informação de que o jovem seria suspeito de
envolvimento num assalto, no que a comunidade entendeu como uma tentativa para
denegrir o falecido e desculpabilizar o agente policial, originando novo
recrudescimento da violência. Em reacção, o governador
instaurou o recolher obrigatório e chamou a Guarda Nacional para auxiliar a
polícia a conter os manifestantes.
Esta óbvia
musculação dum aparelho policial que nos últimos tempos se tem visto
“fortalecido” com veículos blindados de origem militar, além de não contribuir
para o apaziguamento dos ânimos trouxe para a ordem do dia a muito importante
questão do recurso a tácticas e equipamento (armamento e veículos) de evidente
uso militar...
…que não tem
escapado a comentadores, caricaturistas e, claro, às populações
maioritariamente negras, mesmo quando são realizados esforços no sentido de
disfarçar o indisfarçável e reconquistar a confiança perdida.
O processo de
militarização das forças policiais norte-americanas não constituiu novidade,
nem ocorre em resposta a crises pontuais como a que agora se vive nos arredores
de St. Louis, antes integra uma opção bem definida em direcção a um estado
militarizado; basta ver o armamento normalmente utilizado (incluindo o recurso
a armas automáticas) a que acresce agora a nova tendência para dotar as forças
policiais de viaturas do tipo MRAP (Mine-Resistant
Ambush Protected, são viaturas blindadas para transporte de combatentes usadas
pelo exército para resistirem à deflagração de engenhos explosivos improvisados
e a ataques ou emboscadas, popularizada no Brasil sob o nome de Caveirão e que
no caso português são as famigeradas Pandur, conhecidas na terminologia
portuguesa por VBR - Viatura Blindada de Rodas) mais adequadas a cenários de
guerra que à dissuasão de manifestantes.
A questão da crescente militarização das forças policiais não se resume
ao território norte-americano nem é explicado pela simples apetência dos seus
naturais pelo uso generalizado de armas (incluindo armas automáticas do tipo
militar); a comprová-lo vejam-se as imagens próprias de qualquer reunião
política internacional para detectarmos a presença generalizada de polícias
fortemente armados, a distribuição estratégica de atiradores especiais (vulgo “snipers”) e o uso de helicópteros e
viaturas blindadas, como se de um cenário de guerra se tratasse e numa evidente
captura do quotidiano dos cidadãos que despreocupadamente julgam viver em
regimes democráticos.
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