A semana que
termina ficou marcada por novos desenvolvimentos no debate em torno da questão
do sobreendividamento, agora que, sob a égide do
Institute of Public Policy Thomas
Jefferson – Correia da Serra, foi
formalmente apresentado «Um
guião para resolver o problema da dívida».
Esta proposta,
da autoria de Ricardo Cabral (vice-reitor da Universidade da
Madeira), Francisco Louçã
(professor de Economia do ISEG), Eugénia Pires (investigadora
na Universidade de Londres) e Pedro Nuno Santos (deputado do
PS), avança com a novidade do tratamento conjunto da dívida pública e privada
(empresas e famílias), mantendo o seu valor facial mas com um profundo
alargamento de prazos e uma grande redução na taxa de juro. Em termos práticos
os autores estimam em mais de 270 mil milhões de euros o montante a renegociar mediante
uma operação de troca de títulos por uma dezena de novas linhas de obrigações
com maturidades entre 2045 e 2054 (entre 30 e 40
anos, quando a maturidade média dos empréstimos dos fundos europeus é
actualmente de 20 anos), a uma taxa de 1% (menos de metade dos actuais 2,2% nos
juros médios da dívida externa e menos de 30% da taxa de juro implícita da
dívida pública em finais de 2013).
Porque
obviamente uma questão como a da reestruturação da dívida portuguesa não é
simples, e porque os autores tentaram cobrir o maior número possível de
variáveis (começando pela já referida agregação da totalidade da dívida
nacional e em lugar de abordar apenas a questão da dívida pública) ter-se-ão
visto confrontados com a necessidade de pensar soluções para outros problemas,
como o do saneamento dos passivos bancários, em consequência do tratamento
global da dívida e da grande exposição do sector financeiro à dívida pública.
Do mesmo modo a proposta de reestruturação vai bem mais longe (em termos de
valores e de condições) que a realizada há dois anos na Grécia, implica o
envolvimento de todos os credores (sem excluir, como é habito, o FMI) e visa,
segundo os autores, diminuir o encargo anual como serviço da dívida de 7,6 para
2,6 mil milhões de euros.
Concorde-se ou
não com os princípios subjacentes à proposta, ninguém poderá negar que se trata
dum documento bem fundamentado que apresenta como ponto de partida o inegável
axioma da inexistência de registo histórico dalgum país ter conseguido pagar
uma dívida externa do nível da portuguesa através políticas de austeridade e,
contrariamente à tónica imediatamente levantada por alguns críticos, sem a
recorrer à solução mais fácil que seria o perdão parcial da dívida. Outros,
aparentemente mais subtis, preferem classificar
a proposta como «Um programa implausível para a reestruturação da
dívida portuguesa» porque, dizem,
«[t]odos os analistas e todos os relatórios, concluem que a dívida pública é
sustentável numa série de cenários», mas aquele universo resume-se
aos que apoiaram desde a primeira hora o programa de resgates da Zona Euro que
continuam sem demonstrar nem a viabilidade prática da solução austeritária nem
a inviabilidade da alternativa.
A
imprensa especializada (ECONÓMICO e NEGÓCIOS), pouco ou nenhum destaque
deu à proposta, com a excepção de pequenas notícias para referir a iniciativa e
uma ou outra das suas linhas essenciais; apenas num editorial
do ECONÓMICO é explicado que a «…maior parte dos credores
do Estado sofreriam perdas, desde os membros da ‘troika' aos bancos e
investidores nacionais e internacionais, assim como os detentores de
certificados do tesouro e certificados de aforro. Já no que se refere aos
bancos, o grupo de economistas propõe que os credores internacionais percam
tudo, o mesmo acontecendo aos accionistas e detentores de obrigações» (esquecendo de
clarificar que as perdas dos primeiros se referem à simples redução dos juros) e
concluindo que, numa manifesta opção de submissão do devedor aos interesses do
credor, se «…a Comissão Europeia afasta a
simples hipótese de revisão da meta do défice de 2015, de 2,5% para 2,8 ou 2,9%
do PIB, como iriam os credores, os mercados e as agências de ‘rating', para já
não falar dos investidores, reagir a uma decisão unilateral de não pagar
dívidas?». E se ainda assim o NEGÓCIOS sempre foi dizendo que a «Nova
proposta para reestruturar a dívida prevê banca controlada pelo Estado», houve quem
preferisse (como o suplemento do
DN, DINHEIRO VIVO) dar a notícia através
do comentário do ex-ministro das Finanças, Campos e Cunha de que «"É
absurdo reclamar a reestruturação da dívida"», pese embora quase em
simultâneo o todo-poderoso Werner Sinn, professor de Economia na
Universidade de Berlim e presidente do influente think-tank IFo (Information
und Forschung), tenha dito que o «Instituto
alemão defende perdão da dívida aos países do sul».
Mesmo sem ter
concluído a leitura exaustiva do relatório que intitularam «Um programa sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa»,
não tenho qualquer dúvida em recomendar a sua leitura e, deixando para
futuro desenvolvimento as que se me afiguram como principais críticas à
proposta – exclusão do perdão parcial da dívida e a ausência de referência
prática à deficiências da Zona Euro – considerando-a uma boa iniciativa
fomentadora dum debate que há muito deveria estar concluído.
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