sábado, 12 de julho de 2014

UM PROGRAMA PLAUSÍVEL PARA A REESTRUTURAÇÃO DA DÍVIDA PORTUGUESA

A semana que termina ficou marcada por novos desenvolvimentos no debate em torno da questão do sobreendividamento, agora que, sob a égide do Institute of Public Policy Thomas Jefferson – Correia da Serra, foi formalmente apresentado «Um guião para resolver o problema da dívida».

Esta proposta, da autoria de Ricardo Cabral (vice-reitor da Universidade da Madeira), Francisco Louçã (professor de Economia do ISEG), Eugénia Pires (investigadora na Universidade de Londres) e Pedro Nuno Santos (deputado do PS), avança com a novidade do tratamento conjunto da dívida pública e privada (empresas e famílias), mantendo o seu valor facial mas com um profundo alargamento de prazos e uma grande redução na taxa de juro. Em termos práticos os autores estimam em mais de 270 mil milhões de euros o montante a renegociar mediante uma operação de troca de títulos por uma dezena de novas linhas de obrigações com maturidades entre 2045 e 2054 (entre 30 e 40 anos, quando a maturidade média dos empréstimos dos fundos europeus é actualmente de 20 anos), a uma taxa de 1% (menos de metade dos actuais 2,2% nos juros médios da dívida externa e menos de 30% da taxa de juro implícita da dívida pública em finais de 2013).


Porque obviamente uma questão como a da reestruturação da dívida portuguesa não é simples, e porque os autores tentaram cobrir o maior número possível de variáveis (começando pela já referida agregação da totalidade da dívida nacional e em lugar de abordar apenas a questão da dívida pública) ter-se-ão visto confrontados com a necessidade de pensar soluções para outros problemas, como o do saneamento dos passivos bancários, em consequência do tratamento global da dívida e da grande exposição do sector financeiro à dívida pública. Do mesmo modo a proposta de reestruturação vai bem mais longe (em termos de valores e de condições) que a realizada há dois anos na Grécia, implica o envolvimento de todos os credores (sem excluir, como é habito, o FMI) e visa, segundo os autores, diminuir o encargo anual como serviço da dívida de 7,6 para 2,6 mil milhões de euros.

Concorde-se ou não com os princípios subjacentes à proposta, ninguém poderá negar que se trata dum documento bem fundamentado que apresenta como ponto de partida o inegável axioma da inexistência de registo histórico dalgum país ter conseguido pagar uma dívida externa do nível da portuguesa através políticas de austeridade e, contrariamente à tónica imediatamente levantada por alguns críticos, sem a recorrer à solução mais fácil que seria o perdão parcial da dívida. Outros, aparentemente mais subtis, preferem classificar a proposta como «Um programa implausível para a reestruturação da dívida portuguesa» porque, dizem, «[t]odos os analistas e todos os relatórios, concluem que a dívida pública é sustentável numa série de cenários», mas aquele universo resume-se aos que apoiaram desde a primeira hora o programa de resgates da Zona Euro que continuam sem demonstrar nem a viabilidade prática da solução austeritária nem a inviabilidade da alternativa.

A imprensa especializada (ECONÓMICO e NEGÓCIOS), pouco ou nenhum destaque deu à proposta, com a excepção de pequenas notícias para referir a iniciativa e uma ou outra das suas linhas essenciais; apenas num editorial do ECONÓMICO é explicado que a «…maior parte dos credores do Estado sofreriam perdas, desde os membros da ‘troika' aos bancos e investidores nacionais e internacionais, assim como os detentores de certificados do tesouro e certificados de aforro. Já no que se refere aos bancos, o grupo de economistas propõe que os credores internacionais percam tudo, o mesmo acontecendo aos accionistas e detentores de obrigações» (esquecendo de clarificar que as perdas dos primeiros se referem à simples redução dos juros) e concluindo que, numa manifesta opção de submissão do devedor aos interesses do credor, se «…a Comissão Europeia afasta a simples hipótese de revisão da meta do défice de 2015, de 2,5% para 2,8 ou 2,9% do PIB, como iriam os credores, os mercados e as agências de ‘rating', para já não falar dos investidores, reagir a uma decisão unilateral de não pagar dívidas?». E se ainda assim o NEGÓCIOS sempre foi dizendo que a «Nova proposta para reestruturar a dívida prevê banca controlada pelo Estado», houve quem preferisse (como o suplemento do DN, DINHEIRO VIVO) dar a notícia através do comentário do ex-ministro das Finanças, Campos e Cunha de que «"É absurdo reclamar a reestruturação da dívida"», pese embora quase em simultâneo o todo-poderoso Werner Sinn,  professor de Economia na Universidade de Berlim e presidente do influente think-tank IFo (Information und Forschung), tenha dito que o «Instituto alemão defende perdão da dívida aos países do sul».

Mesmo sem ter concluído a leitura exaustiva do relatório que intitularam «Um programa sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa», não tenho qualquer dúvida em recomendar a sua leitura e, deixando para futuro desenvolvimento as que se me afiguram como principais críticas à proposta – exclusão do perdão parcial da dívida e a ausência de referência prática à deficiências da Zona Euro – considerando-a uma boa iniciativa fomentadora dum debate que há muito deveria estar concluído.

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