Sinal dos
tempos, coincidência ou verdadeiro milagre (a escolha da opção fica ao critério
de cada um) desde a apresentação de «Um programa sustentável
para a reestruturação da dívida portuguesa», proposta
estruturada para o urgente debate sobre a indispensável reestruturação da
dívida, originou ondas de repercussão na imprensa onde não tem faltado uma ou
outra opinião reforçando essa necessidade ou criticando a opção pela política
da “austeridade-expansionista”.
Depois de conhecido
que «Até
o FMI já admite que a dívida é de alto risco e poderá ser reestruturada» e
quando o candidato à presidência da
Comissão Europeia, Jean-Claude «Juncker reconhece erros da troika e promete Europa
mais social» o
debate das alternativas é mais que necessário: é indispensável!
Nas palavras
dos autores daquele relatório, são seus objectivos: «(i) a negociação para a redução do valor presente da dívida
(reestruturação de dívida), através da alteração de juros e prazos; (ii) o
saneamento dos passivos bancários, para garantir a solvabilidade e estabilidade
da banca; e (iii) a modernização fiscal para pôr as contas do Estado em ordem e
tornar sustentável, numa perspectiva macroeconómica, a recuperação económica e
o crescimento económico futuro», donde resulta que centram a sua atenção
num modelo de reestruturação da dívida pública, através do aumento
significativo da maturidade e duma redução dos juros, sem redução do montante,
enquanto para a dívida privada externa (essencialmente constituída por dívida bancária)
propõem uma redução alcançada através dum processo de
resolução bancária, nos seguintes termos: «(a.)
Titulares de acções registariam perdas equivalentes ao valor contabilístico dos
capitais próprios (as perdas de valor de mercado seriam substancialmente
inferiores); (b.) Titulares de dívida subordinada registariam perdas de 100%,
em conformidade com as práticas vigentes e aceites nos mercados financeiros
internacionais; (c.) Alguns credores, nomeadamente o Eurosistema e os
depositantes com depósitos inferiores a 100.000€, não teriam quaisquer perdas;
(d.) Os restantes credores (relativa à parte dos depósitos acima de 100.000€ e
credores de títulos de dívida bancária), bem como o Fundo de Garantia de
Depósitos que se substitui aos depositantes com depósitos inferiores a 100.000€,
veriam os seus créditos face ao sistema bancário residente reduzido em 34%.
Receberiam, porém, como contrapartida, acções dos respectivos bancos com valor
nominal idêntico ao da redução dos seus créditos sobre a banca e com valor
contabilístico equivalente a 61,2% dessa redução. Note-se que receberiam acções
de bancos com balanços muito mais robustos do que actualmente, acções essas que
teriam tendência a apreciar-se», podendo em
resumo dizer-se que a sua proposta se centra na actuação interna.
O tratamento
simultâneo, mas igualmente em separado, da dívida pública e da dívida externa e
a opção por não recorrer à solução do perdão de dívida constituem a imagem
forte do guião. Se a abordagem global da questão do endividamento público e
privado apresenta o mérito de evidenciar o grande peso deste último (algo que
tem vindo a ser sucessivamente escamoteado) e o tratamento diferenciado que
propõe (redução do segundo por via da transferência parcial das perdas para os
accionistas do sistema financeiro) deixa bem claro a diferença da sua natureza,
nem por isso deixa igualmente de branquear o comportamento dos agentes
(decisores políticos e sistema financeiro) que muito contribuíram para que o
endividamento atingisse os valores que lhe conhecemos.
Por opção de
natureza ética mantenho a ideia da indispensabilidade duma auditoria à dívida
pública que, separando a dívida necessária da fraudulenta, conduzisse a que os co-responsáveis
pela última viessem a ser penalizados por via da respectiva incobrabilidade. A
proposta de atingir uma redução prática por via da extensão da sua maturidade é
uma opção possível (tecnicamente interessante e de modo algum descabida) mas
que desperdiçará a oportunidade para introdução de critérios de endividamento,
de processos de controlo e de métodos de avaliação que deveriam ser aplicados
no futuro.
Numa conjuntura
em que o BCE mantém a taxa de desconto (taxa a que o banco central do euro
financia os bancos) nuns escassos 0,15% e quando até o “think tank” «Alemão
Ifo aconselha redução da dívida para países do Sul», demonstrando
uma crescente tomada de consciência da insustentabilidade da dívida pública, é exigível que além da questão da eventual redução
facial (“haircut”) seja igualmente
revista a taxa de juro dos empréstimos.
Já no caso dum
sistema financeiro a braços com uma delicada situação de sobreendividamento
(proporcionalmente maior que o endividamento público e que esteve na origem da
opção pelo resgate conduzido pela “troika”,
como recentemente o confirmou Philippe Legrain,
um ex-conselheiro da presidência da Comissão Europeia, quando assegurou que as «Ajudas
a Portugal e Grécia foram resgates aos bancos alemães») era impossível não
recorrer a um “haircut” e a proposta
de redução dos passivos bancários (mediante intervenção do Fundo de Garantia
dos Depósitos e da conversão de parte dos saldos dos depósitos superiores a
100.000€ em capital) constitui uma solução idêntica à que a “troika” recorreu no programa de resgate
que aplicou em Chipre (ver o “post” «SINAIS
DE CHIPRE»).
Em resumo: pese
embora o bem estruturado e quantificado trabalho apresentado sob a chancela do Institute of Public Policy Thomas Jefferson –
Correia da Serra, no que respeita à proposta de reestruturação da dívida
pública preferia, pelas enunciadas razões éticas e para pedagogia futura, que o
processo se iniciasse com uma redução da dívida estimada em função duma
auditoria que distinguisse a dívida legítima (a que seria amortizada) da
ilegítima (a que não deve ser paga) ao qual se acrescentaria a extensão das
maturidades e uma redução da taxa de juro, não para o valor proposto (1%) mas
para um nível igual ao da taxa de desconto praticada pelo BCE.
Mas o problema
das dívidas públicas dos países da periferia da Zona Euro, criado como o foi
pelo funcionamento desregulado dum sistema bancário duma zona monetária criada
para o servir, não se esgota numa abordagem de natureza doméstica, sendo
indispensável incluir uma proposta de actuação ao nível da Zona Euro.
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